Severino Francisco
Logo no início do filme, o poeta Fernando Pessoa erra ao redor dos monumentos de Brasília, perdido na solidão espacial do planalto. E, pensando bem, me parece que o português se sentiria em casa na atmosfera metafísica da cidade. A cena é de Mito e música: a mensagem de Fernando Pessoa, codirigido por André Luiz Oliveira e Rama Oliveira.
O documentário sela de maneira magnífica a saga de 30 anos de André, que é também compositor, para musicar todos os poemas de Mensagem, o único livro publicado por Pessoa em vida. Rama orquestrou com sabedoria e imaginação, no tempo e no ritmo exatos, as várias dimensões da aventura: “Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal”.
O compositor-cineasta cometeu a audácia de estabelecer uma espécie de parceria mediúnica com um dos imperadores da língua portuguesa. A impressão é de que Fernando Pessoa e André Luiz Oliveira formam uma dupla tão afinada quanto Tom e Vinicius. Ou então ele é o irmão baiano, irmão candango de Pessoa.
André inventou músicas primorosas para Pessoa, que captam o espírito de cada poema ou o vestem com nova alma. Em algumas versões, insuflou um sopro de alegria popular nordestina na melancolia portuguesa.
A imersão de 30 anos nos mares da poesia de Pessoa resultou em três produtos: três discos, dois DVDs e o filme. André convocou uma constelação de cantores brasileiros e portugueses para partilhar a aventura: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Zé Ramalho, Elba Ramalho, Raquel Tavares, Milton Nascimento, entre outros. Caetano disse em uma canção: “gosto do Pessoa na pessoa”. E, realmente, o baiano parece incorporar a elegância da dicção pessoana em suas letras. Caetano afirma no filme que a obra de Pessoa justifica a existência da língua portuguesa.
André deve ter sido guiado pela loucura utópica de São Sebastião, o rei desvairado que morreu em uma batalha desigual contra os mouros na África, para enfrentar todas as adversidades do projeto: “Sem a loucura que é o homem/mais do que a besta sadia/cadáver adiado que procria?”.
Valeu a pena. Os portugueses dão depoimentos pungentes de que era preciso um brasileiro para revelar facetas insuspeitadas de Pessoa. André transmutou o esoterismo de Pessoa no claro enigma da música popular, acessível a qualquer mortal.
Fez a conexão entre a alma portuguesa e a alma brasileira. Pessoa ficou mais leve e mais feliz, sem deixar de ser contundentemente e visceralmente Pessoa. É um projeto de alcance local, nacional e internacional: “As nações são mistérios/Cada uma é um mundo a sós/Ó, mãe de reis e avó de mistérios/Velai por nós”.
Neste momento dominado por mesquinharias, ninharias e mediocridades, a mensagem do poeta convoca à grandeza de valores, de atitudes e de alma. Sempre que lembro do filme ou ouço o CD, vejo a figura de Pessoa chorando as lágrimas de esguicho de que fala Nelson Rodrigues, lágrimas da mais pura alegria pela magnífica parceria com o irmão candango.
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