O humor do mercado

Publicado em Crônicas
Crédito: Arquivo/Reuters. Investidores acompanham cotação do dólar em bolsa de Valores.

 

Severino Francisco

 

No ano passado, fundos globais de investidores que administram US 3,75 trilhões (cerca de 20 trilhões de reais) enviaram uma carta-aberta a embaixadas brasileiras em oito países, manifestando a preocupação com a escalada do desmatamento nas florestas brasileiras e com os direitos dos povos indígenas.

 

Na missiva, os gestores disseram: “Estamos preocupados com o impacto financeiro que o desmatamento e a violação dos direitos de povos indígenas podem ter sobre nossos clientes e companhias investidas, por potencialmente elevarem os riscos de reputação, operacional e regulatório.”

 

Confesso que quase caí das nuvens, o que, segundo Machado de Assis, é melhor do que cair do terceiro andar. Mas, em meio a tantas notícias ruins, essa foi uma novidade positiva. Quer dizer, os grandes fundos de investimento revelam uma consciência ambiental e dos direitos dos povos indígenas que a maioria das excelências, do empresariado e do mercado não têm no Brasil.

 

Eu achei muito alentador esse sinal de inteligência, de consciência e de lucidez sobre o futuro do planeta. Enquanto isso, percebo que, no Brasil, o mercado é muito sensível a outros fatos: o auxílio emergencial para os desvalidos, a reforma da previdência, o risco-Lula. Agora, a morte de mais de 280 mil brasileiros parece não comover o mercado, ele permanece operando em alta.

 

De minha parte, sou um ser devaneante e sonho com o dia em que essa entidade inominável se assanhe e o dólar suba a cada corte de verbas para educação, a cada desmatamento de nossas florestas, a cada ameaça à democracia, a cada omissão de nossas instituições na compra de vacinas, a cada negacionismo, a cada fake news ou a cada vez que suas excelências jogassem seu povo no precipício.

 

O mercado tem muitos porta-vozes para plantar seus interesses. Espero viver para escutar e assistir, ainda, os porta-vozes da entidade invisível que nós governa anunciarem as oscilações da bolsa com o risco-educação, o risco-cultura, o risco-ciência, o risco-desmatamento, o risco-desigualdades sociais, entre outros.

 

Deveria preocupar a misteriosa e fluída instituição, pois são questões essenciais para uma agenda de desenvolvimento do Brasil. Seria bom se o mercado não fosse uma bolha de especulação alienada completamente dissociada da realidade.

 

Não tenho dinheiro na bolsa de valores. Em matéria de mercado, eu só fico sabendo que o dólar subiu, a inflação disparou e a bolsa está nervosa quando vou abastecer no posto de gasolina, por conta do preço absurdo dos combustíveis.

 

De minha parte, prefiro o mercado do bairro, ou melhor, o supermercado. Porque lá, eles têm uma postura responsável em relação à pandemia. Logo na entrada, um funcionário pede, educadamente, para medir a temperatura. Caso alguém tenha esquecido a máscara, solicita que busque o equipamento no carro.

 

Durante o tempo em que permanecemos no local, a emissora de rádio faz recomendações para a nossa proteção durante a pandemia. Tudo cuidadoso, responsável e elegante. Mas o que me toca mais é um cartazinho de papelão escrito com pincel artesanal: “Juntos, venceremos”. É tudo o que precisamos para superar a pandemia.

 

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