Severino Francisco
Tentei escrever sobre um outro tema, mas desisti, porque hoje todos só estão pensando naquilo: o jogo do Brasil x Croácia, ao meio-dia. A verdade é que nós entramos em contagem regressiva dramática para a partida das quartas de final, que define quem enfrentará o vencedor de Argentina ou Holanda na semifinal. Já imaginou Brasil e Argentina na semi?
Haja coração, é preciso ter nervos de aço para assistir ao jogo. Fiquei devaneando sobre o que aconteceria se o Brasil levantasse o caneco dessa Copa do Mundo do Catar. O PFB, produto de felicidade bruta, subiria consideravelmente. As crianças se espalhariam nos pátios das escolas, desgarradas nas brincadeiras e quase aladas de alegria.
E aquelas pessoas que decoram as ruas com as cores do Brasil sentiriam que valeu a pena tanto esforço e tanto esmero. Os desvalidos que estampam cartazes nas ruas pedindo comida esqueceriam a fome que assola a barriga por alguns instantes. Na Rodoviária, no Conjunto Nacional, no Paranoá, no Recanto das Emas, em Ceilândia, no Riacho Fundo e no Gama, todos ligados na mesma emoção.
No trabalho, o ânimo se renovaria para enfrentar as pedreiras nossas de cada dia. Os problemas insanáveis e insolúveis se tornariam sanáveis e solúveis. A frequência aos bares subiria a níveis inéditos para contentamento dos torcedores e dos donos dos negócios.
Em um passe de passe de mágica, o vira-lata se transmutaria em vir a ser, como disse Miguel Wisnik. A camisa amarelinha, desmoralizada pelos últimos acontecimentos, retomaria a alma de brasilidade surrupiada. Não, não seríamos mais párias no concerto das nações. Seríamos reverenciados, invejados, amados e temidos.
Nas quadras, nos pátios das escolas e nos campinhos esburacados das ruas, as crianças imitariam as jogadas de Vini Jr., Neymar, Richarlison ou Raphinha. A roda dos negócios giraria mais rápido e melhor, beneficiando todas as classes sociais com a prosperidade.
A sofrência dos últimos quatro anos de pandemia, com o desmonte das instituições e os embates com o Estado de Direito se dissipariam na celebração do gol que nos sagraria campeões do mundo depois de 20 anos e cinco copas. Por alguns minutos, o país polarizado entre esquerda e direita apagaria as divergências e seria um só Brasil, sem divisões.
Mas se o Brasil perder para a Croácia, não vamos aceitar a derrota. Nós só aceitamos jogo limpo; e jogo limpo é jogo em que o Brasil ganha, não importa se foi com gol de mão, de cabelo ou de gel. Se o Brasil perdeu, só pode ter havido fraude. Vamos todos acampar em frente ao QG e exigir intervenção militar na Fifa. Empunharemos cartazes com os dizeres: “Brazil was stolen”. Montaremos uma tenda para que um psicólogo ofereça ajuda humanitária aos desconsolados com o revés no campo.
Ficaremos acampados o tempo que for necessário até que haja uma solução favorável para o impasse. Sobreviveremos com sanduíche de cachorro quente, churrasquinho de gato e pastel de vento. Exigiremos da Comissão de Arbitragem da Fifa a alteração do resultado do jogo em 72 horas. Chega dessa farsa de VAR eletrônico; queremos VAR de papel e gol auditável. Mas, pensando bem, acho melhor é o Brasil derrotar a Croácia e ir às semifinais sem precisar de nada, a não ser da nossa torcida e da nossa festa.