Severino Francisco
Enquanto o mundo explode, vou aproveitando a beleza que a cidade oferece de graça. Basta abrir os olhos para apreciar. Uma amiga moradora do Lago Sul disse que o melhor do bairro eram os jardins. Há uma disputa silenciosa sobre qual é o mais belo. Embora não seja residente daquele território, sou passante e me beneficio todos os dias da beleza dos jardins, que esplendem para fora dos quintais em direção às vias.
Na verdade, a intensidade, a variedade e o fulgor dos ipês, com realce na moldura da estação seca, coloca em segundo plano de atenção os flamboyants. Mas essas árvores trazidas ao Brasil da ilha africana de Madagascar por Dom João VI são impossíveis de serem ignoradas pela coloração flamejante, com tons de vermelho, de amarelo e de alaranjado. É uma floração que transmite alegria.
Uma das singularidades de Brasília é a de que dispomos de um calendário floral, em atividade durante todo o ano, que ameniza e relativiza os rigores das estações. As mudaças climáticas já afetaram espécies mais sensíveis, como os ipês ou as caliandras de jardins. E impactarão outras. Neste ano, muitos pontos em que vicejavam ipês não tiveram floração ou tiveram uma floração fraca.
A explicação dos cientistas é de que as mudanças no ciclo das chuvas impediram que eles acumulassem água suficiente para sustentar uma floração plena. Isso ainda não aconteceu com os flamboyants. Por isso, eles despertaram a minha atenção neste ano. Embora não sejam nativos, eles se adaptaram muito bem ao habitat do cerrado e ganharam cidadania brasiliense pela quantidade de árvores espalhadas pelo Plano Piloto.
Em Brasília, elas foram plantadas em 1960. Estão presentes no Eixinho Sul, no Sudoeste, no Zoológico, na região da Universidade de Brasília (UnB), no Eixo Monumental e na Asa Sul. Elas já fazem parte de um roteiro floral e colorem a cidade entre outubro e dezembro, no período das chuvas.Em alguns lugares, somos brindados com florações alaranjadas, amarelas, vermelhas e brancas.
São mais de 100 mil flamboyants plantados no Plano Piloto, o que mostra a desigualdade se manifestando também do ponto de vista da arborização no DF. Qual cidade da periferia pode ostentar um número de árvores semelhante?
É verdade que alguns flamboyants foram plantados em lugares inadequados, pois a árvore tem raízes que podem avariar as calçadas ou o asfalto. Mas eles se integraram plenamente à paisagem do Plano Piloto. Quando esteve pela cidade, no início dos anos 1960, Clarice Lispector reclamou que as árvores eram mirradas e pareciam de plástico. Gostaria que ela visitasse Brasília agora para ter um vislumbre do esplendor, em meio a tantos problemas e desafios.
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