Severino Francisco
As eleições para prefeitos em várias capitais despertam o espanto. São muitos os fatores que influem no resultado da escolha de um representante político, mas algumas questões saltam aos olhos. Vejamos o caso de Porto Alegre. Em abril e maio, as enchentes arrasaram a capital gaúcha e atingiram mais de 450 cidades.
Houve o acirramento das mudanças climáticas, no entanto, não foi apenas um desastre natural. Diversos engenheiros e especialistas apontaram que as políticas públicas, em plano estadual ou municipal, contribuíram, decisivamente, para o cenário de devastação.
Ocorreu, a um só tempo, uma tragédia natural e uma tragédia política. Para os que têm dúvida sobre isso, basta constatar que o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, promoveu um desmonte nas estruturas de fiscalização do meio ambiente; e o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, não tomou nenhuma providência para a manutenção do sistema de diques e muros de Porto Alegre.
O Ministério Público escreveu um documento ao Tribunal de Contas da União, com pedido para que avalie se a flexibilização das leis ambientais no Rio Grande do Sul. No documento, o MP observa que, somente em 2019, sob a alegação de melhorar as condições de negócio, o governador Eduardo Leite (PSDB-RS) tomou medidas que flexibilizaram mais de 500 tópicos do Código Florestal. A ironia trágica é que chamou a essas intervenções nefastas de “modernização da legislação”.
Claro que isso agravou a crise climática. Governador e prefeito não têm a seu favor sequer o álibi da surpresa porque, no ano passado, as tempestades haviam devastado o Rio Grande do Sul. Nada fizeram. E, depois, empurraram a responsabilidade para o Governo federal e ficaram clamando por um Plano Marshall para salvar o Rio Grande do Sul. Como fazer um Plano Marshall ou socorrer os desabrigados se são defensores do Estado mínimo?
Em São Paulo, as tempestades assolaram e deixaram milhares de pessoas sem energia elétrica. Mesmo assim, o prefeito Ricardo Nunes conseguiu se reeleger com uma larga margem de votos. Novamente, o prefeito empurrou a responsabilidade para o Governo Federal. E colou. A crise climática exigirá dos prefeitos políticas públicas adequadas para mitigar as consequências do desequilíbrio ambiental.
Como esperar que políticos negacionistas enfrentem as novas circunstâncias que são uma realidade e se agravarão ainda mais? Não é uma questão de direita e de esquerda; é uma questão da nossa sobrevivência nas cidades. Se não forem tomadas providências, Porto Alegre sucumbirá a um novo desastre ambiental. Se a responsabilidade das companhias de fornecimento de energia não for revista e atualizada, as cidades padecerão do mesmo drama de São Paulo.
Não, a culpa não é somente das mudanças climáticas. Essas tragédias estão mais que anunciadas pelos cientistas. As recentes queimadas evidenciaram a enorme relevância de governadores e prefeitos na gestão das questões ambientais. Vários foram eleitos ou quase eleitos em decorrência de mentiras repetidas milhões de vezes pelas redes sociais. Os que votam em negacionistas do clima ou fundamentalistas do Estado mínimo pagarão um alto preço com as novas desditas climáticas. Serão amparados ou protegidos por quem?