Severino Francisco
Mais do que comemorar, nós temos de celebrar os 20 anos da Escola de Choro Raphael Rabello, pois trata-se de uma instituição que presta relevantes e preciosos serviços a Brasília e ao Brasil. O Clube do Choro está promovendo, até domingo, o Encontro Internacional de Choro (Eicho) para marcar a data.
Tive o privilégio de acompanhar o renascimento do Clube do Choro na década de 1990, sob a liderança de Reco do Bandolim. Assisti a shows de Pepeu Gomes, Hermeto Paschoal, Raphael Rabello, Altamiro Carrilho, Hamilton de Holanda e Armadinho Macedo, que (me arrisco a dizer) seriam memoráveis em qualquer festival do mundo.
Credito: Paulo de Araujo/CB. Armandinho Macedo no Clube do Choro de Brasília
A interpretação de Armandinho para o Bolero, de Ravel, no bandolim, é sensacional: “Coisa de louco, coisa de louco!”, diria Reco do Bandolim. Segundo Nelson Rodrigues, profeta é o sujeito que descobre o óbvio. Reco do Bandolim teve a clarividência de constatar: uma cidade nova precisa de instituições para se desenvolver.
Com a transferência da capital para Brasília veio do Rio de Janeiro uma constelação de músicos de primeira linha do choro: Bide da Flauta, Waldir Azevedo, Avena de Castro, Pernambuco do Pandeiro, Neusa França, Odette Ernest Dias, entre outros. Recomendaram a Bide trazer uma espingarda para defender-se das onças. Não precisou; ele reencontrou aqui os velhos amigos e fez outros com o choro.
Essa circunstância feliz poderia se perder inteiramente se não fosse a ação de Reco do Bandolim. Ele é um Dom Quixote baiano, idealista, mas pragmático. Não inventou, mas sedimentou e profissionalizou o Clube do Choro; e potencializou as possibilidades do gênero no cerrado com a criação da Escola de Choro Raphael Rabelo. Aos alunos é concedido o luxo de fazer oficinas, conversar e até tocar com as feras que se apresentam no Clube.“O choro é o que dá perfil à nossa alma”, gosta de dizer Reco.
Animado por uma fé no choro capaz de abalar montanhas de obstáculos, conseguiu convencer os parlamentares da Câmara Distrital a criar a Escola de Choro Raphael Rabello. É de lideranças positivas que o Brasil precisa.
Antes da escola, choro era “música de velho”; mas, depois, tornou-se música jovem. É possível ver na cidade uma legião urbana de crianças e adolescentes armada de violões, de cavaquinhos, de bandolins e de pandeiros. Discordo da contraposição que se faz entre o chorinho e o rock. Hamilton de Holanda bebeu chorinho na mamadeira e, algumas vezes, toca o bandolim como se fosse Jimi Hendrix.
Celebremos essas duas instituições que são referências em planos nacional e internacional. A Escola é um viveiro de talentos e oferece bolsas de estudos para os que não podem pagar. Reco fundiu arte e educação. É quase tudo do que o país necessita para dar um passo de civilização.
O Clube e a Escola de Choro Raphael Rabello orgulham e dignificam Brasília. Eles nos representam. Chorinho parece drible de Garrincha, canto de passarinho e voo ziguezagueante de beija-flor. Coisa de louco!