O ataque dos quero-queros

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Severino Francisco

Já contei, neste mesmo alto de página, a aventura ou desventura de enfrentar um ataque de coruja, próximo ao shopping Liberty Mall, em um descampado da Asa Norte. Passava tranquilamente pelo local quando, de repente, senti um rumor abrupto de asas, ouvi um grasnido de guerra e senti a ferroada das garras na cabeça. Era uma sensação semelhante a da personagens de Os pássaros, de Hitchcock. Vivi, por instantes, um Hitchcock no Cerrado.

Logo, escrevi uma crônica, em que me vingava do ataque com as armas do humor. A narrativa fechava com a seguinte fala, que atribui à dona coruja: “Esse cronista não entende patavina de corujas. Ele não sabe que as corujas só falam nas fábulas de La Fontaine ou nos contos de Monteiro Lobato”.

De qualquer maneira, senti-me meio heroico e meio épico com a situação e contei o transe aos amigos. Para minha surpresa, a maioria deles havia passado por uma experiência semelhante por meio de investidas de corujas ou quero-queros. Uma amiga bióloga me explicou que a razão do ataque era simples. Eu tinha rondado o ninho delas e o ninho delas e bicho é implacável com invasão de território. Moramos em uma cidade-parque, cidade-Cerrado, cidade-descampado.

Pois bem, estava folheando o livro Cinema candango – matéria de jornal, de Vladimir Carvalho, o nosso cangaceiro sofisticado, cineasta paraibano, renascido em Brasília e constatei que ele também teve uma experiência hithcokiana de ser perseguido por um misteriosos pássaros.

Vlad andava despreocupadamente por um trecho do Parque da Cidade, entregue ao devaneio de uma caminhada, ao cair da tarde. Aliás, Nietzsche diz que só tem valor o que pensamos caminhando. Pensar sentado é pecado conta o Espírito Santo.

O pensamento adejava longe na cidade espacial, quando, em um átimo, sentiu o esvoaçar próximo à cabeça. Assustou-se com o barulho de asas. Instintivamentte, levantou os braços para se defender. Olhou para o alto e avistou dois pássaros e logo percebeu que eles desfechavam ataques alternados, em um balé agressivo que parecia ensaiado. Acuado, não lhe restou outra alternativa senão uma desabalada corrida até um abrigo, no caso, os banheiros com azulejos de Athos Bulcão.

O guardinha do parque o informou que se tratava de um casal de quero-queros. Costumavam fazer ninhos no chão e não toleravam invasores desastrados, mesmo os involuntários. Defendiam, ferozmente, os filhos da mesma maneira que qualquer um de nós faria.

Vladimir compreendeu plenamente as razões dos pássaros ao conversar com o amigo e grande botânico da UnB, Luis Laboreau. Tanto que os quero-queros em fios condutores da série Brasília, Patrimônio da Humanidade. Gravou os pássaros assustadiços Praça do Relógio, em Taguatinga, e na Esplanada dos Ministérios, sob o fundo do Congresso Nacional: “Assim, eles passaram a ser a minha mascote cinematográfica, como um signo do meio físico, um estupor ‘dela natura’, escreve o cineasta que documentou múltiplos aspectos de Brasília, com um olhar, a um só tempo, cruamente realista e agudamente poético.

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