Severino Francisco
A Embaixada dos Estados Unidos emitiu um estranho comunicado de alerta aos cidadãos norte-americanos sobre os crimes de sequestro. Recomendou que exerçam a maior cautela sobre algumas regiões que representam um risco maior. E, entre elas, estão as regiões administrativas de Ceilândia, Santa Maria, São Sebastião e Paranoá.
Bem, ao ler o alerta de segurança fiquei apreensivo, pois moro em condomínio horizontal do Jardim Botânico e circulo, com frequência, por São Sebastião e Paranoá. Vou muito à ferinha de São Sebastião para comprar legumes, plantas, araticum ou seiva de jatobá, um remédio da medicina popular que tem impressionante ação anti-inflamatória e precisa ser estudado pela ciência. Evoquei diversas histórias vividas por lá nesta coluna.
Existem muitos angolanos e venezuelanos na feirinha. Certa vez, fomos à banca de uma angolana com cara de zangada. Uma cliente quis devolver um produto e a africana ficou brava: “Você tem coração ruim”. Tentei acalmá-la, mas sobrou para mim: “Você também tem coração ruim”. Sai fora, meio irritado, meio sorrindo, da imputação, a meu ver, absurda.
Fomos à banca de outra angolana, na qual eu sempre comprava bananas a um preço acessível. O filho da mulher me atendeu e queria cobrar o dobro do valor das semanas anteriores. Fiquei indignado, virei as costas e resolvi ir embora. Com autoridade serena, a angolana me chamou, pediu para voltar e ordenou ao filho que me vendesse as bananas pelo mesmo preço da semana passada. Os olhos dela irradiavam uma luz intensíssima de bondade.
Não satisfeita, ela ficou procurando com as mãos algo para me dar de presente. Tateou na banca e apanhou duas batatas doces e me entregou. Embora nem aprecie batata doce, aceitei o brinde que selou nossa paz. Achei extraordinária a habilidade daquela mulher.
Na Feirinha, assisti a uma performance memorável no período de Natal. Quando cheguei, ouvi o balbucio das vozes de uma melodia que parecia vir de longe. Ao me aproximar, avistei um coral de crianças brancas, negras e mestiças da periferia, vestidas com roupas vermelhas e gorros de Papai Noel.
Ainda hoje, ressoa em meus ouvidos o que me parece ser uma música dos anjos: “Amigo é coisa pra se guardar/do lado esquerdo do peito/Assim dizia a canção que ouvi na América/o importante é ouvir a voz que vem do coração”. Sou capaz de apostar que, se os autores da canção, Milton Nascimento e Fernando Brandt, estivessem por lá chorariam as mesmas lágrimas de esguicho, mencionadas por Nelson Rodrigues, que eu chorei.
Se eu fosse funcionário da Embaixada dos Estados Unidos teria de pedir autorização para ir ao Paranoá ou a São Sebastião. Qual é a periculosidade de São Sebastião, do Paranoá, da Ceilândia e de Santa Maria em relação aos Estados Unidos? Por aqui, os estudantes, as crianças e os imigrantes continuam comparecendo às escolas sem nenhum risco de serem presos, humilhados, ofendidos, deportados e separados dos pais.
Sim, é verdade que temos problemas graves provocados pela desigualdade social. Mas a violência não é uma política de Estado, como está ocorrendo, no momento, nos Estados Unidos, onde os estudantes estrangeiros têm medo de ir para a escola e serem presos. Inúmeras pesquisas mostraram que os envolvidos com o crime constituem uma parcela mínima da população brasileira.
Circulo por São Sebastião e pelo Paranoá sem autorização e não reconheço o cenário apresentado pelo alerta da embaixada norte-americana. Só podem aplaudir tal recomendação os patriotas que rezam para pneu, acreditam que existe chip em vacina e batem continência para a bandeira norte-americana.
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