As imagens de Wagner Hermusche parecem um solo de guitarra da Legião Urbana, desencadeando descargas elétricas, que provocam um curto circuito lírico na paisagem de Brasília. Ele é o pintor das noites brasilianas. Em vez da claridade solar dos horizontes abertos, Hermusche sempre prefere a magnitude noturna brasiliense, refratada pelas luzes da cidade.
Se compararmos as noites de Brasília com a de outras capitais encontraremos diferenças marcantes. A de São Paulo é um caos frenético de máquinas, ruídos, sirenes e estilhaços luminosos. No Rio, o ritmo é fervilhante, mas a condição de cidade litorânea imprime a tudo certa leveza, um desprendimento boêmio e um espírito esportivo, mesmo sob o cerco de uma guerra cotidiana. Carlos Drummond de Andrade diz, na Prece de um mineiro no Rio, que era uma metrópole onde “voz e buzina se confundem”.
A noite de Brasília é silenciosa e espacial. Mesmo nos horários de pico, o barulho dos carros se perde nos descampados e soa distante; as figuras humanas carregam algo de espectral. A cidade é engolida pelo espaço aberto com suas luzes pulsantes. É essa atmosfera que Hermusche capta em seus desenhos, gravuras e pinturas numa estética neon-concreta.
O shopping Conjunto Nacional, as avenidas largas, os postes de iluminação branca, os painéis luminosos, os viadutos monumentais e a vastidão azulada do céu se estilhaçam em uma visão lisérgica. Se Renato Russo tivesse habilidade plástica, ele se expressaria com essa linguagem elétrica. Hermusche insinua rock’n’roll no concreto e no vazio de Brasília.
Hermusche desenha Brasília com o gesto visceral dos grafites, das granulações do vídeo, das rasuras do traço e da inconclusão de um esboço. Há algo de errado nestes desenhos que humanizam a capital modernista. Os adolescentes vislumbram o mais puro rock nos desenhos, pinturas e serigrafias de Hermusche. É um dos artistas que revelaram com mais expressividade a alma brasiliana.
Mas, na passagem do ano, ele viveu uma experiência surpreendente. Hermusche foi convidado por amigos a passar a noite de ano-novo numa casa em Búzios. Chegou à noite, entrou na sala devagar, com o senso de observação oriental ligado e, de repente, levou um susto.
O pai dos donos da casa havia morado em Brasília e formado uma coleção de oito gravuras sobre a cidade. Ninguém acreditou quando Hermusche anunciou: “Mas essas gravuras são minhas!” As noites brasilianas cintilavam nas paredes da casa de Búzios.
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