Severino Francisco
Certa noite, Vladimir Carvalho estava no Espaço Cultural da 508 Sul quando ouviu um batuque chegando. Apurou o ouvido e percebeu algo de maracatu, de bumba-meu-boi, de cavalo-marinho, de reisado ou de samba. Era tudo isso misturado no mesmo caldeirão de ritmos, de ritos e de mitos. Vladimir teve uma intuição fulminante: esse é o som do cerrado.
Quem animava a roda de folia era o grupo Seu Estrelo e o Fuá no terreiro. A trupe criou uma batida própria de tambor e a brincadeira foi batizada de samba pisado. E não é só o baque, os brincantes conceberam, simultaneamente, um mito fundador de Brasília, fusão de múltiplas vertentes da cultura popular, o Calango Voador.
O autor dessas invenções é um rapaz pernambucano magro e de semblante sério, Tico Magalhães. Nascido em Recife, iniciado por mestres e mestras da cultura popular, aprendeu a tocar, a dançar e a narrar histórias. Depois de uma viagem à Chapada dos Veadeiros, encantado com as tradições do cerrado, ele criou o Mito do Calango Voador.
Seu Estrelo é música, dança, coreografia, teatro completo, em escala monumental, feito sob medida para intervenções nos amplos espaços de Brasília. Como se fosse um Lucio Costa ou um Niemeyer, ele desenhou uma cultura popular que aponta não apenas para o passado, mas também para o futuro. É uma cultura popular moderna. É uma arte do encontro, do ajuntamento e da aglomeração.
Por isso, em tempos de pandemia, Tico escreveu e ilustrou o livro O mito do Calango Voador e outras histórias do cerrado. A palavra, o canto e o desenhos se entrelaçam em metamorfoses incessantes.
É uma voz de nascimentos, voz de encantamentos, que tece a trama de uma série de personagens e entidades do cerrado. Laiá, forjada pelo cantar da mata: “a Mata, filha do Som, traz o axé de cantar para criar novas criaturas, assim como seu pai”.
Seu Estrelo é concebido a partir de um sonho de Laiá: “De tão bonito achou seu sonho, resolveu pegá-lo e colocá-lo dentro de uma árvore, a barriguda. Do sonho de Laiá, foi gerado Seu Estrelo, que ficou dentro da barriguda até o momento de seu nascimento”.
Para acalentar a sua filha, a Mata transformou cada pingo de sangue de Laiá em uma linda flor vermelha: “Foi assim que nasceram as Caliandras”. Do encontro Sol e da Terra, nasce o Calango Voador no Planalto Central. Do canto de Seu Estrelo surge o Lobo-Guará, que traz o dia em seu corpo alaranjado e a noite em suas longas patas negras.
As fábulas de Tico revelam a nascente de Seu Estrelo. O grupo passou por uma prova de fogo. Uma emissora de tevê convidou a trupe a fazer uma performance na Rodoviária. Se Seu Estrelo não tivesse verdadeiramente uma alma popular, o desafio poderia resultar em fiasco.
Mas logo a trupe instalou a festa pela plataforma e pelas escadarias da Rodoviária. É a tradição reinventada e abraçada pelas novas gerações. Não poderia haver maior consagração para uma trupe de brincantes de arte popular.
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