Severino Francisco
“Marco temporal é a morte!” O cartaz empunhado pelos 6 mil índios de 137 etnias sintetiza o momento dramático que eles vivem. Desfilaram na Esplanada dos Ministérios, sob a batida de instrumentos percussivos. De passagem pela Esplanada, próximo ao Teatro Nacional, avistei um mar de barracas. Os índios estão em Brasília no maior acampamento que já ocupou a cidade. Fiquei pensando no perigo da aglomeração. Mas, para eles, o que está em jogo é uma questão de vida ou morte: o julgamento do chamado Marco Temporal no STF.
O Marco Temporal é uma das heranças sinistras de Temer, que preparou caminho para a guerra contra a civilização deste governo. Segundo esse argumento jurídico, só teriam direito à demarcação os índios que ocupassem as terras na época da promulgação da Constituição de 1988. Ora, como se sabe, os povos indígenas são perseguidos e obrigados a se refugiarem fora de seus territórios o tempo todo.
Quem provocou o STF foi o governo Estado de Santa Catarina, que se recusa a reconhecer as terras dos Xokleng. Se o Marco Temporal for referendado pelo STF, mais de 300 territórios indígenas perderão a possibilidade de serem demarcados. Além de colocar em risco a sobrevivência dos índios, a aceitação desse argumento jurídico abriria a porteira para uma devastação ainda maior das florestas brasileiras, em tempos de mudanças climáticas apocalípticas.
Indigenistas Associados (INA), associação independente de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), reuniu estudos de casos concretos e diversos exemplos etnográficos para sustentar a defesa dos direitos dos índios.
A associação sustenta que a tese do marco temporal é um critério fictício e artificial, incapaz de abranger toda a complexidade da matéria. Enfatiza a necessidade de examinar cada situação em sua singularidade. Considera o caso da ocupação tradicional dos Xokleng, Kaingang e Guarani em Santa Catarina é exemplar no sentido de ilustrar a sucessão de violências: usurpação do patrimônio indígena, redução do território, vendas de parte dele, chacinas e remoções forçadas.
Claro que essas ações truculentas interferem e moldam a relação dos índios com as terras, cada vez mais ameaçados pela invasão de garimpeiros, de madeireiros e do agronegócio troglodita. Com a aceleração dos efeitos do aquecimento global, o mundo está de olho no que o Brasil fará com os índios. Fundos que movimentam trilhões de dólares avisaram que se o nosso país não cessar os desmatamentos e não respeitar os direitos dos povos indígenas os investimentos minguarão.
Entidades tais como a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) argumentam que o conceito de Marco Temporal é incompatível com os direitos internacionais dos povos indígenas. Assisti a manifestações memoráveis dos índios na cidade. Em 27 de abril de 2017, mais de 2 mil índios travaram uma verdadeira batalha campal em frente ao Congresso Nacional. Sofreram ataques de bombas de gás lacrimogêneo, de balas de borracha e de sprays de pimenta.
Mas, apesar do cerco da polícia, eles foram bravos, conseguiram furar o bloqueio e atiraram 200 caixões pretos de papelão no gramado e no espelho d’água do Congresso. Agora, eles acenderam velas para uma vigília em frente ao STF. Marco Temporal é uma retórica jurídica para roubar as terras dos índios, que são os donos originários do país.
Sem a terra, eles morrem e as matas também. Escrevo antes da decisão do Supremo Tribunal Federal. Espero que o STF impeça essa tragédia humanitária e ambiental. Como disse Darcy Ribeiro, “os índios não são eles; eles somos nós.”
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