Não roubem as terras dos índios

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Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press.  Manifestação dos índios, na Esplanada dos Ministérios, contra o Marco Temporal, em frente ao STF

Severino Francisco

“Marco temporal é a morte!” O cartaz empunhado pelos 6 mil índios de 137 etnias sintetiza o momento dramático que eles vivem. Desfilaram na Esplanada dos Ministérios, sob a batida de instrumentos percussivos. De passagem pela Esplanada, próximo ao Teatro Nacional, avistei um mar de barracas. Os índios estão em Brasília no maior acampamento que já ocupou a cidade. Fiquei pensando no perigo da aglomeração. Mas, para eles, o que está em jogo é uma questão de vida ou morte: o julgamento do chamado Marco Temporal no STF.

O Marco Temporal é uma das heranças sinistras de Temer, que preparou caminho para a guerra contra a civilização deste governo. Segundo esse argumento jurídico, só teriam direito à demarcação os índios que ocupassem as terras na época da promulgação da Constituição de 1988. Ora, como se sabe, os povos indígenas são perseguidos e obrigados a se refugiarem fora de seus territórios o tempo todo.

Quem provocou o STF foi o governo Estado de Santa Catarina, que se recusa a reconhecer as terras dos Xokleng. Se o Marco Temporal for referendado pelo STF, mais de 300 territórios indígenas perderão a possibilidade de serem demarcados. Além de colocar em risco a sobrevivência dos índios, a aceitação desse argumento jurídico abriria a porteira para uma devastação ainda maior das florestas brasileiras, em tempos de mudanças climáticas apocalípticas.

Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press. Mais de 6 mil índios, representantes de  137 etnias, invadiram a Esplanada para se manifestar pela vida.

Indigenistas Associados (INA), associação independente de servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai), reuniu estudos de casos concretos e diversos exemplos etnográficos para sustentar a defesa dos direitos dos índios.

A associação sustenta que a tese do marco temporal é um critério fictício e artificial, incapaz de abranger toda a complexidade da matéria. Enfatiza a necessidade de examinar cada situação em sua singularidade. Considera o caso da ocupação tradicional dos Xokleng, Kaingang e Guarani em Santa Catarina é exemplar no sentido de ilustrar a sucessão de violências: usurpação do patrimônio indígena, redução do território, vendas de parte dele, chacinas e remoções forçadas.

Crédito: Carlos Vieira/CB/D.A Press. Luta pela vida na Esplanada dos Ministérios.

Claro que essas ações truculentas interferem e moldam a relação dos índios com as terras, cada vez mais ameaçados pela invasão de garimpeiros, de madeireiros e do agronegócio troglodita. Com a aceleração dos efeitos do aquecimento global, o mundo está de olho no que o Brasil fará com os índios. Fundos que movimentam trilhões de dólares avisaram que se o nosso país não cessar os desmatamentos e não respeitar os direitos dos povos indígenas os investimentos minguarão.

Entidades tais como a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) argumentam que o conceito de Marco Temporal é incompatível com os direitos internacionais dos povos indígenas. Assisti a manifestações memoráveis dos índios na cidade. Em 27 de abril de 2017, mais de 2 mil índios travaram uma verdadeira batalha campal em frente ao Congresso Nacional. Sofreram ataques de bombas de gás lacrimogêneo, de balas de borracha e de sprays de pimenta.

Mas, apesar do cerco da polícia, eles foram bravos, conseguiram furar o bloqueio e atiraram 200 caixões pretos de papelão no gramado e no espelho d’água do Congresso. Agora, eles acenderam velas para uma vigília em frente ao STF. Marco Temporal é uma retórica jurídica para roubar as terras dos índios, que são os donos originários do país.

Sem a terra, eles morrem e as matas também. Escrevo antes da decisão do Supremo Tribunal Federal. Espero que o STF impeça essa tragédia humanitária e ambiental. Como disse Darcy Ribeiro, “os índios não são eles; eles somos nós.”

Severino

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