Severino Francisco
É linda a manifestação de 6 mil índios de 137 povos na Esplanada dos Ministérios contra o chamado Marco Temporal, que será julgado pelo STF. Fizeram da via uma passarela para um desfile marcado pelo ritmo dos chocalhos e pela exuberância das pinturas corporais. Ritualizaram uma batalha de vida ou morte. O Marco Temporal é a morte.
O artigo 231 da Constituição é muito claro: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
A Constituição não fala em marco temporal; fala em direito originário. Segundo a argumentação do marco temporal, para ter direito à demarcação da terra, os índios precisariam ocupá-la na data da promulgação da Constituição de 1988. Todos sabem que os índios são escorraçados, perseguidos e expulsos de seus territórios a todo o momento. Como exigir marco temporal?
O argumento de Marco Temporal é uma trapaça jurídica para invadir as terras dos índios, saquear as riquezas, destruir o meio ambiente e envenenar as águas. Os forasteiros reclamam da alienação de Brasília, mas, quando ocorre um acontecimento extraordinário, embaixo de suas barbas ou à frente de seus olhos, não percebem e silenciam. O que está em jogo é algo muito grave: a sobrevivência dos índios brasileiros e das nossas matas.
O cotidiano dos povos indígenas é permeado pelo ideal da beleza. Eles imprimem a marca da beleza no corpo em praticamente todos os objetos de uso no dia a dia. São capazes de passar vários dias se esmerando em colorir uma flecha, pintar o corpo ou caprichar no detalhe de uma bilha para armazenar água.
Para eles, a beleza não é algo apenas para se contemplar. Ela está mistura às funções mais triviais da vida. Eles trouxeram a beleza para Esplanada dos Ministérios e ritualizaram o seu clamor de vida ou morte. Brasília fica mais bonita e mais autenticamente brasileira com os índios.
Os índios nos deram uma lição democrática de cidadania, de bravura, de resistência, de dignidade, de brasilidade e de beleza. Estão acostumados a lidar com os homens brancos. Conhecem a violência, a ignorância, a soberba, as invasões, a covardia e as trapaças.
Exemplos de dignidade no trato com os povos da floresta não nos faltam. Basta lembrar do marechal Rondon, um dos heróis do Exército brasileiro, que defendeu bravamente os índios contra os madeireiros, os garimpeiros e os ignaros. Espero que o STF rechace a trapaça do marco temporal. Se não for barrada, a boiada da devastação destruirá os nossos índios e as nossas matas.
Como disse a pesquisadora Maria Manuela no artigo intitulado, significativamente, Parceria ou barbárie: “As sociedades indígenas não são apenas o nosso passado e referência fundamental para a nossa identidade. As sociedades indígenas são parte do nosso futuro”.
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