Morro da Capelinha

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Severino Francisco

Escalei, muitas vezes, o Morro da Capelinha, nos tempos em que morei em Planaltina e o local ainda não era famoso. Não trilhava o caminho construído para o ritual do martírio do Cristo nem assistia às celebrações. Subia pela encosta, em um trajeto íngreme, pontilhado de pedras, pelo simples prazer de chegar ao topo do morro. Lá, encontrava uma capelinha de adobe, com as paredes esburacadas de nomes e de inscrições dos visitantes.

Ficava apreciando a paisagem e ouvindo o vento assobiar. Mais tarde, depois de assistir a Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, passei a associar o morro de Planaltina ao do Corobobó, no sertão da Bahia, onde foi rodado o filme, embora a topografia seja diferente. Talvez eu faça essa analogia porque é muito parecida a ação dos ventos sibilantes na região.

Algumas vezes, imaginei que o Morro da Capelinha era um tema em busca de um autor. Pois, ele encontrou. Marilda Guimarães Mundim escreveu um livro, com ilustrações de Milena Alves, dirigido especialmente ao público infantojuvenil, mas que pode ser apreciado por leitores de todas as idades.

A narrativa tem uma peculiaridade marcante: a história pessoal de Marilda se entrelaça com a do Morro da Capelinha. Ela nasceu em Planaltina, é pedagoga pela UnB e dedicou a vida à educação. Em 1943, a avó Olívia de Campos Guimarães fez uma promessa para Nossa Senhora de Fátima para que a filha, Dulce, recuperasse a audição. A graça foi alcançada e, em gratidão, Olívia mobilizou a comunidade para erguer um santuário no ponto mais alto da região.

A comunidade era fervorosamente católica, se sensibilizou com a história e acorreu com procissões e cânticos. E assim nasceu o Morro da Capelinha como um dos lugares que despertam o sentimento religioso de maneira pungente com os rituais que revivem o martírio e a ressurreição de Cristo em uma topografia que parece ter sido concebida especialmente como cenário para a celebração do drama: “Este santuário, em sua singeleza e fervor, não apenas cumpre a promessa de Olívia, mas também estabelece um vínculo sublime entre o céu e a terra”, escreve Marilda.

Embora a narrativa seja tecida com elementos de uma fábula, a história é, rigorosamente, verídica e factual. A imagem de Nossa Senhora de Fátima foi trazida de Portugal pelo casal Dulce Guimarães Borges e Geraldo Borges, colocada no altar, com a ajuda de madrinhas e cercada por rosas. Fiéis da comunidade e de cidades vizinhas compareceram à missa conduzida pelo padre Antônio Marcigaglia. Os rituais eram embalados pela banda de música da cidade.

O Morro da Capelinha representou um novo ciclo na vida da cidade. Em 1973, surgiria a Via Sacra, com as encenações que atraem milhares de fiéis e despertam a atenção de brasileiros em todos os estados. É uma superprodução que envolve mais de 1.500 artistas e técnicos. Milhares de pessoas acompanham o martírio e a ressurreição de Cristo, em 15 estações. O espetáculo expressa a potência da arte e da devoção religiosa. Como escreve Marilda, é um legado sagrado que se renova a cada momento, de geração a geração.

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