Miriam Aquino

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Conheci Miriam Aquino em um momento de grandes esperanças para o Brasil e para Brasília, no fim da década de 1970, com a derrocada do longo período de ditadura militar e o arejamento dos ventos da redemocratização. Trabalhamos juntos em várias redações e participamos de ações que ensaiavam a afirmação cultural da cidade. Ela era sempre uma presença suave, educada, bem-humorada, inteligente e delicadamente firme. Sabia dizer sim e não.

Se, na década de 1970, Brasília foi uma cidade cinzenta, em razão do cerceamento imposto pelo regime de exceção instalado a partir de 1964, na década de 1980, ela seria efervescente, lisérgica, audaciosa, solar, prazerosa e feliz. No caso, a felicidade não decorria de uma ordem compulsória ou da alienação, mas, sim, da alegria de criar, experimentar e arriscar.

Hugo Rodas, a turma do rock da era de ouro da década de 1980, os irmãos Ferreira, Vladimir Carvalho, Nicolas Behr, Francisco Alvim, Concertos Cabeças, Wagner Hermusche, Galeno, Athos Bulcão, o Pacotão, Reynaldo Jardim. A cidade fervilhava.

Menciono o contexto porque acho que Miriam é fruto desse movimento de luta pela democracia, que lhe legou o amor pela cultura, a solidariedade, a consciência social, o espírito de combate e o senso de humor. O Correio publicou uma foto dela com outras moças no Pacotão, que formavam o bloquinho das Gatinhas das (Eleições) Diretas. Era uma resistência pacífica por meio da cultura.

Lembro de termos organizado um movimento pela distribuição mais equânime de verbas para a cultura, de forrós no Boi do seu Teodoro, de festas no Clube da Imprensa e pela manutenção do prédio do antigo Cine Cultura da W3 507 Sul (sede da Semana de Cinema, coordenada pelo crítico Paulo Emílio Sales Gomes que, em seguida, se desdobrou no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro).

Mas ela não apenas organizava, fazia a festa, caía na dança. Com olhos de brilho intenso, era muito bonita e foi considerada, à sua revelia, musa da redação, em vários lugares por onde passou. Permanecia sempre a mesma pessoa simples, despojada e alheia a poses.

Depois, nos perdemos um do outro, como ocorre com tantas vezes na vida. Li que Miriam se tornou uma empresária bem-sucedida no ramo da telecomunicações e os que trabalharam com ela destacam as qualidades da mesma figura que conheci: agregadora, de afetuosidade cálida, de espírito positivo e construtivo. Sempre que me lembrava dela pensava que era uma pessoa que teria prazer de rever, de saber notícias, de saber dos filhos, conversar, contar piada e rir muito.

A morte não melhora ninguém, sentenciou Mario Quintana. Contudo, no caso, não precisava. Miriam Aquino era uma pessoa da mais alta qualidade humana. Nos deixou aos 64 anos, na segunda-feira, ainda cedo para o atual padrão de longevidade da vida. Foi um privilégio conviver com ela.

Essa partida inesperada me reacendeu o alerta para cultivar, aproveitar e reverenciar, com maior cuidado, as pessoas que nos são preciosas, pois, como diz Caetano Veloso, em palavras de poeta, é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte.

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