Mestre das plantas

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Crédito: Zuleika de Souza/CB/D.A Press.Roberto Burle Marx em frente à uma das entradas do Palácio Itamaraty.

Severino Francisco

Cada vez fico mais impressionado e enlevado com a obra e as ideias de Burle Marx. Ele fica a cada dia mais atual pela consciência que tinha do meio ambiente. É pena que ele não teve uma participação ainda mais ampla na construção de Brasília.

Burle concebeu um plano paisagístico para Brasília, mas que não se realizou e se perdeu. Mesmo assim, deixou a marca do talento no Palácio do Itamaraty, no Teatro Nacional, no Templo da Boa Vontade, no Hospital Sarah, no Palácio da Justiça, entre outros edifícios.

Credito: Minervino Junior/CB/D.A Press. Jardins internos  do Teatro Nacional Claudio Santoro.

O Itamaraty é o meu prédio preferido pelo equilíbrio alcançado entre a arquitetura de Oscar Niemeyer, a integração com a arte e os jardins de Burle Marx. No interior do Palácio, a gente tem a impressão de cair, abruptamente, em uma selva amazônica.

Mas os jardins internos do Teatro Nacional também são primorosos. E, com certeza, precisarão ser restaurados com a reforma anunciada pela Secretaria de Cultura. Vi, recentemente, no Canal Brasil, o documentário Filme paisagem, dirigido por João Vargas Penhas. A trilha e a montagem proporcionam uma experiência de êxtase no contato com as plantas e as ideias de Burle.

Jardim aquático na entrada do Palácio Itamaraty: flora brasileira integrada à arquitetura.

Artista plástico, botânico, pesquisador e paisagista experimental, Burle deflagrou uma revolução ao inserir plantas nativas em praças do Recife, entre 1934 e 1937: cactos, vitórias-régias, palmeiras e coqueiros. Ele foi demitido por usar canas vermelhas nos jardins aquáticos de Casa Forte, tidas como subversivas.

Um dos momentos mais pungentes do documentário acontece quando Burle anuncia, de maneira profética, o receio de que viveríamos tempos sombrios em relação ao meio ambiente no Brasil. A data da afirmação não é mencionada, mas, só para termos uma referência, ele morreu em 1994.

Zuleika de Souza/CB/D.A Press. Jardim externo do Teatro Nacional Claudio Santoro.

Em uma viagem à Amazônia, Burle ficou estarrecido com a magnitude e o horror do desmatamento. Aponta para uma árvore gigantesca derrubada e comenta, desolado: “Essa árvore jamais poderia ser destruída. Constroem uma estrada e colocam uma placa no lugar. A árvore era um monumento vivo”.

Se estivesse vivo, ficaria chocado com a tragédia da devastação na Mata Atlântica e na Amazônia. Ele via as plantas como manifestações divinas. Deus seria uma espécie de jardineiro cósmico a criar as mais misteriosas alquimias vegetais de extraordinária beleza. E tudo isso está sendo destruído pela ambição rasa associada à ignorância, como mostram as pesquisas recentes sobre o desmatamento nas florestas brasileiras.

Crédito: Jéssica Germano/Divulgação. Brasil.  Igapós na Floresta Amazônica: natureza ameaçada.

Ver o filme sobre o Burle me fez muito bem à alma, pois estamos expostos a todas as sandices da ignorância. É necessário buscar inspiração e luz nos mestres. Em algum momento, precisaremos acordar, antes que seja tarde.

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