Severino Francisco
Em tempos de queimadas, devastando os sertões, esta coluna conseguiu uma entrevista mediúnica exclusiva com Guimarães Rosa, o autor da obra-prima da literatura brasileira e mundial. Fala, mestre!
Qual a importância da palavra em nossa vida?
Tudo principia mesmo é por uma palavra pensada.
Por que o senhor escreveu que viver é perigoso?
Porque ainda não se sabe. Porque aprender-a-viver é viver, mesmo. Vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas importantes.
E como saber o que é mais importante?
O mais difícil não é ser bom e proceder honesto; dificultoso mesmo, é um saber definido o que quer, e ter o poder de ir até o rabo da palavra.
A vida que vivemos aqui tem relação com outras vidas, como proclama o espiritismo?
Só estamos vivendo os futuros antanhos. Eu me alembro das coisas antes de elas acontecerem.
O senhor acredita que a morte de uma pessoa também já está determinada?
Morte e amor têm paragens demarcadas. A morte de cada um já está em edital.
Então, falemos do amor. O que é amar?
Amar não é verbo; é luz lembrada. Amor vem de amor. O amor é que é o destino verdadeiro.
E o ódio e a raiva, o que são?
Quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente.
Um amigo meu disse que só conhecia um homem que entendia de mulheres: estava no hospício…
Mulher tira ideia é do corpo.
A alegria é algo importante na vida?
A tristeza é o aboio de chamar o demônio. O que a vida quer da gente é coragem.
A elevação da consciência é importante para ser feliz?
Para o prazer e para ser feliz, é que é preciso a gente saber tudo, formar alma, na consciência; para penar, não se carece.
Será que Deus não é uma mentira que a gente inventa para aguentar o tranco da vida?
Como não haver Deus? Estremeço. Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível, o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há de a gente ficar perdida no vaivém, e a vida é burra. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim, dá certo. Mas, se não tem Deus, então, a gente não tem licença de coisa alguma.
Mas não seria mistificação apostar no milagre?
Viver sem milagres seria lúgubre maldição. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive os fatos. Ou a ausência deles.
O que é Deus? Que garantia temos dessas coisas?
O que não é Deus é o estado do demônio. As coisas assim a gente não perde nem abarca. Cabem é no brilho da noite. Aragem do sagrado. Absolutas estrelas.
Em Brasília, vivemos imersos em um grande silêncio. Qual o efeito disso nas pessoas?
O senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais.
PS: Não percam o documentário Gerais da Pedra, premiado no Festival de Cinema de Pernambucano, que será exibido hoje, às 19h, no Cine Brasília, com entrada gratuita
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