Severino Francisco
Furo: no Dia das Mães, esta coluna conseguiu uma entrevista mediúnica exclusiva com Clarice Lispector. Fala, musa.
Qual é o lugar do amor em sua vida?
Há três coisas para as quais eu nasci e para as quais dou minha vida. Nasci para amar os outros, nasci para escrever, e nasci para meus filhos.
Como você administra as três coisas?
As três coisas são tão importantes que minha vida é curta para tanto. Tenho que me apressar, o tempo urge. Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.
E se você tivesse que escolher entre a literatura e os filhos, optaria pelo quê?
A resposta é simples: eu desistiria da literatura. Nem tem dúvida que como mãe sou mais importante do que como escritora.
Muitos são filhos do acaso. E os seus?
Meus dois filhos foram gerados voluntariamente. Eu quis ser mãe. Eu me orgulho deles, eu me renovo neles, eu acompanho seus sofrimentos e angústias, eu lhes dou o que é possível dar. Amar não acaba.
Existe uma foto famosa em que você aparece sentada num sofá com a máquina de escrever e os filhos ao lado. Por quê você não se isolava para escrever? Os filhos não atrapalhavam a escrever?
Eu não queria que meus filhos sentissem a mãe-escritora, mulher ocupada, sem tempo para eles. Procurei que isto nunca acontecesse. Eu sentava num sofá, com a máquina de escrever nas pernas e escrevia. Eles, pequenos, podiam me interromper a qualquer momento, e como interrompiam.
Os seus filhos inspiraram, diretamente, na criação de alguma obra?
Meu filho Paulo estava farto de que eu escrevesse para adultos e, praticamente, me ordenou que eu escrevesse uma história sobre o seu coelhinho, Joãozinho, publicada mais tarde como O coelho pensante. Eu ingressei na literatura infantil solicitada por meu filho.
Você faz alguma analogia entre o fato de gerar um filho e gerar uma obra literária?
Não se faz uma frase, a frase nasce.
O que você dizia, por exemplo, para acalmar seus filhos em momentos de aflição?
Se Deus cuida até dos pássaros por que não cuidaria de você?
Como deveria ser a atitude das mães à medida em que os filhos crescem?
À medida em que os filhos crescem, a mãe deve diminuir de tamanho. Mas a tendência é a gente continuar enorme. A gente não cria filhos para nós mesmos. Quando eu fiquei sozinha, segui o destino de todas as mulheres.
Você viveu situações de conflito com seus filhos?
O meu filho não gostava que eu tivesse uma franja na testa, dizia que eu ficava feia. O motivo não era fútil, era sério: uma pessoa, meu filho, no caso, estava me cortando a liberdade. Eu queria ser feia, isso representava meu direito total à liberdade. Ao mesmo tempo, eu sabia que meu filho tinha os direitos dele: o de não ter uma mãe feia, por exemplo. Era o choque de duas pessoas reivindicando – o quê, afinal? Só Deus sabe, e fiquemos por aqui mesmo.
Até aonde ia seu instinto materno?
Eu tomava conta do mundo. Observava o menino de uns 10 anos, vestido de trapos e macérrimo. Terá futura tuberculose, se é que já não a tem. O cosmos me dava muito trabalho, sobretudo porque vejo que Deus é o cosmos. Disso eu tomava conta com alguma relutância. Tomo conta dos milhares de favelados pelas encostas acima. E sou responsável por tudo que existe, inclusive pelas guerras e pelos crimes de lesa-corpo e lesa-alma. Sou responsável inclusive pelo Deus que está em constante cósmica evolução para melhor.
Clarice, como você definiria o que significa mãe em uma frase?
Mãe é não morrer.