Severino Francisco
Ontem, à tarde, eu e todas as pessoas que a conheciam fomos fulminados pela notícia da morte de Lucília Garcez, uma das pessoas essenciais de Brasília. É difícil encontrar algum brasiliense interessado em cultura que não foi agraciado por alguma generosidade de Lucília. Com ela, a cultura nunca vinha a seco; sempre vinha cálida, misturada com afeto, com palavras carinhosas, com gargalhadas de bom humor e com convites para encontros.
Não era uma intelectual encerrada em sua torre de marfim. Parecia estar presente em todos os eventos da cidade. Era amiga e amiga da cultura. A sua casa se transformou quase que em uma instituição da cultura brasiliense. Lá, se realizaram muitas atividades de clubes de leitura, de onde saiu, por exemplo, o projeto Calango Leitor, coordenado por Claudine Duarte, finalista do Prêmio Jabuti 2016.
Era uma pessoa alegre, construtiva e afirmadora. Bastava a simples presença para influir nas pessoas de maneira afetuosa. Não era pose; era um instinto. A paixão pela literatura se desdobrava em convite para almoçar, tomar um vinho, celebrar a passagem do ano ou participar de um ritual do dia de Reis, 6 de janeiro, para conseguir dinheiro durante o ano que chegava.
Lucília era uma mulher ilustrada por doutorados e leituras apaixonadas, tinha um pé no rigor acadêmico e outro na liberdade da imaginação da literatura. Sabia traduzir conceitos complexos em uma escrita simples e clara, sem baratear o conhecimento. Mineira, ela se rebrasileirou em Brasília no contato com paraibanos, pernambucanos, paulistas, cariocas, amazonenses ou gaúchos.
Com o artista plástico pernambucano-brasiliense Jô Oliveira, ela desenvolveu uma parceria fecunda, que resultou na produção de algumas dezenas de pequenas obras-primas. O livro Explicando a arte se tornou um clássico de iniciação às linguagens artísticas para os adolescentes.
Destaco, ainda, a biografia sobre Ariano Suassuna, dirigida especialmente ao público infantojuvenil, mas que, como toda obra de qualidade, pode ser lido por pessoas de qualquer idade. A narrativa de Lucília e Jô evolui como um cortejo de maracatu, numa sintonia perfeita entre palavra e imagem. Nos joga, de maneira sensorial, no mundo sertanejo fantástico de Ariano.
Lucília lutava contra um câncer há vários anos. Mas parecia inabalável na vontade e na alegria de viver. Vladimir Carvalho me disse que, algumas vezes, ficava arrasado, mas era ela que o reanimava com a invencível energia afirmadora da vida.
Durante a pandemia, troquei mensagens ou telefonei algumas vezes para Lucília. Foi um período muito difícil para quem era, essencialmente, sociável. Passou-me várias dicas de como combater as formigas. Era uma pessoa amorosa e amorável. O dia ficava melhor depois que a gente se encontrava ou falava com Lucília. Ela nos engrandeceu com a sua sensibilidade, inteligência, humanidade, afetuosidade e generosidade. Sempre nos atingiu em cheio com as pequenas gentilezas, delicadezas, cuidados e amabilidades.
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