A maneira como a gente torce por um clube é uma das coisas mais misteriosas que existem. Tudo começa em um lance de acaso e se transforma em um estilo, um modo de sentir, de ver e de viver a vida. Passei a torcer pelo Corinthians nos tempos em que morei em São Paulo, durante a virada final dos anos 1960, quando o time ficou sem ganhar um título 22 anos.
Os donos dos botecos afixavam nas tabuletas: “Fiado, só quando o Corinthians for campeão”. E eis um claro enigma do Coringão: nesse ínterim, a torcida do Corinthians e a paixão pelo clube só cresceram de maneira avassaladora.
Algumas vezes, tentam tripudiar do Corinthians porque o time caiu para a segundona. Mas comigo não cola, pois aviso logo que sou corintiano na primeira, na segunda, na terceira ou na quarta divisão.
Corinthians não é só um clube; é um estado de espírito, uma escala da paixão, transcende o futebol. A bola e o jogo são meros detalhes. É preciso ter o sentimento trágico da vida para ser corinthiano. Detesto torcedor que sai do armário quando o time ganha.
Corinthians é amor incondicional, é paixão desmedida, é loucura. Nosso maior craque tinha de ser um filósofo, Sócrates, que só jogava de letra. Nietzsche, Salvador Dalí, Van Gogh, Glauber Rocha e, sobretudo, Maiakóvski, também eram corintianos doentes: “Comigo a anatomia enlouqueceu/Eu sou todo coração”, proclamou Maiakóvski. Só um corintiano ensandecido e febril poderia escrever um verso como esse.
O Timão não tinha a consciência da sua força. Mas vieram as conquistas, descobrimos que era bom ganhar e ficamos viciados. Confesso que está dando um certo tédio ser campeão a toda hora e já sinto nostalgia de o Corinthians cair para a segunda divisão e ensinar às outras torcidas como é que se ama de verdade um time, para além da vitória ou da derrota.
Certa tarde, uma garotinha de sete anos, vestida com a camisa do Flamengo, me desfechou a pergunta fulminante: “Tio, para que time você torce?”. Naquele 2013, o Corinthians havia conquistado o título de campeão do mundo e eu valorizei a resposta.
Fiz alguns segundos de suspense e, em seguida, declarei altivo, a plenos pulmões: “Corinthians!”. A garotinha me olhou de baixo para cima, botou as mãos na cintura, fez uma careta de nojo e recriminou: “Que coisa feia! Você só não é pior do que o meu pai, que torce para o Botaovo”.
Em minha casa, estou cercado de flamenguistas por todos os lados. É que nunca fiz nenhum movimento no sentido de convencer meus filhos a torcerem pelo Corinthians. Por causa dessa liberalidade no futebol, a minha casa é povoada pelos terríveis rubronegros, uma horda obsessiva e tenaz em sua paixão.
De vez em quando, convoco todos a entoar o hino do Flamengo e puxo o canto: “Uma vez Flamengo, sempre Corinthians…” Pragmáticos, os donos de botecos já mudaram a frase da tabuleta. Agora, vale esta: “Fiado, só quando o Corinthians não for campeão”.
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