Lobo-guará

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Crédito: Marcelo Kuhlmann/Arquivo pessoal. Encontro com o lobo-guará nas trilhas do cerrado.

Severino Francisco

O lobo-guará vai figurar nas notas de R$ 200. Chega precisamente no momento em que está faltando um zero no salário dos trabalhadores brasileiros, como reza um samba de Ary Barroso. Ouvi várias conjecturas sobre o destino da nova cédula. Alguns dizem que facilitará a lavagem de dinheiro mais limpa do que Omo.

O certo é que a maioria dos brasileiros terão quase a mesma dificuldade de ter a nota de R$ 200 no bolso quanto de ver ao vivo o lobo-guará. Sempre fui fascinado por este animal, mas nunca avistei nenhum em minhas andanças pelo cerrado.

Por isso, recorri a Marcelo Kuhlmann,  biólogo, doutor em botânica e autor do clássico Frutas e sementes do cerrado: espécies atrativas para a fauna (produção independente). Durante toda a vida, incluindo os últimos 15 anos dedicados a pesquisas no cerrado brasileiro, topou de cara com o lobo apenas sete vezes, sendo duas delas no Santuário do Caraça, em Minas Gerais, local famoso por ter atraído o animal para a convivência cotidiana.

Crédito: Sinclair Maia/Esp. CB/D.A Press. O biólogo Marcelo Kuhlmann, autor do livro Frutos e sementes do cerrado: espécies atrativas para a fauna, com  fruto de Xixá, árvore típica do cerrado brasileiro.

Eles aparecem para comer quase todos os dias na porta da igreja. Outros encontros mais selvagens ocorreram na Chapada dos Veadeiros, cruzando a estrada Alto Paraíso e Cavalcante, no Parque Nacional das Emas, na Serra da Canastra, numa trilha na Serra do Cipó à noite e ainda no Parque Nacional Grande Sertão Veredas. Lá, Marcelo deu de cara com o lobo-guará em uma trilha.

O encontro rendeu belas fotos. O lobo-guará é um animal extremamente tímido, discreto e desconfiado, observa Marcelo. Em todos encontros que teve com o animal a sensação foi de respeito mútuo. Os dois se encararam e depois cada um seguiu o seu caminho tranquilamente.

Crédito: Marcelo Kuhlmann/arquivo pessoal. Momento especial: lobo-guará no caminho.

Clarice Lispector afirmou que a inquietação que temos diante dos bichos expressa o medo que temos do animal dentro de nós. “Encontrar um lobo-guará no meio do Cerrado é um momento raro, fascinante e de pura emoção”, confirma Marcelo.

Com voz de cientista, Marcelo define o lobo-guará como um animal raro, discreto, ameaçado e também é o maior canídeo nativo da América do Sul. Além disso, seu porte esguio e elegante, sua pelagem avermelhada, orelhas grandes e pernas negras e longas lhe conferem uma beleza ímpar e ao mesmo tempo estranha. A combinação desses fatores o fascina nesse animal. É um bicho emblemático do cerrado.

O lobo-guará tem um lugar no ciclo do cerrado. Trata-se de um animal onívoro, que se alimenta de pequenos a grandes mamíferos, répteis, aves, ovos, moluscos, insetos e também diversas espécies de frutos.

Crédito: Marcelo Kuhlmann/Arquivo pessoal. O lobo-guará é discreto e desconfiado.

Pelo seu porte e dieta o lobo-guará é considerado um grande dispersor de sementes, sendo que diversas plantas dependem dele para sua reprodução, como o cajuzinho, a lobeira, o araticum, o pequi, diversas palmeiras e dezenas de outros frutos nativos.

De vez em quando, algum lobo-guará se desgarra e aparece no centro da capital do país. Deveríamos prestar atenção, pois é um sinal de desmatamento do cerrado. Como todos os mamíferos de grande porte, os lobos-guará necessitam de grandes áreas para viver.

Sempre fiquei impressionado com as histórias dos lobos-guará nos tempos pioneiros de Brasília. E, algumas vezes, na solitude das noites brasilianas, pensando na gestão pouco responsável que os governantes fazem da pandemia, confesso que sinto também um vago desejo de uivar para a Lua.

Severino

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