Severino Francisco
Todos os dias, logo que acordo, ligo a tevê para saber da situação dos brasileiros envolvidos no meio do turbilhão de uma guerra brutal em Gaza. E alguns personagens acabam se tornando quase íntimos pela frequência com que expõem os dramas de suas vidas. É o caso de Hassam, brasileiro descendente de palestinos, que foi com a mulher e os dois filhos visitar a mãe em Gaza, quando estourou o conflito e está preso no território convulsionado.
Quando surgiu a notícia de que os brasileiros estavam, finalmente, na lista dos que poderiam deixar Gaza, ele se despediu da mãe e da irmã com um abraço muito forte. Sabe que esta pode ser a última vez que verá a mãe, pois a guerra deflagrada por Israel não distingue idosas, crianças ou hospitais.
De outra parte, percebo que alguns analistas resolveram debochar da ação do Brasil quando ocupou, provisoriamente, a presidência da ONU. Eles tripudiaram porque o Brasil não conseguiu aprovar uma resolução em favor da paz. Estava tudo certo nas articulações do Itamaraty com os outros países, mas na hora decisiva, os Estados Unidos apresentaram um veto absurdo só para esvaziar a liderança do Brasil pela paz.
Com isso, alguns analistas depreciaram o governo brasileiro sob o argumento de que estaria se arvorando em líder internacional sem ter as credenciais para isso. Ora, foi a primeira vez, depois de 15 anos, que uma resolução havia sido aprovada por 12 países, dois se abstiveram (Rússia e Reino Unido).
Eu imagino que esses críticos gostariam que o discurso do Itamaraty na ONU fosse mais ou menos neste tom: “Nós somos vira-latas no concerto das nações. Não somos uma potência da guerra, não temos uma indústria bélica relevante, não ganhamos nada com os conflitos internacionais. Não temos guerra há muito tempo. Não vendemos armas e não temos lucro com com os conflitos. É bom que sejamos párias internacionais, isso nos livrará do comunismo, do globalismo e do multilateralismo. Só nos resta ganir de humildade. É melhor perguntar o que fazer para o Biden ou o Xin Jinping. I love Biden! I love Trump! I love Xin Jinping“.
Em vez disso, o Brasil teve uma postura altiva, elegante e serena. Foi o primeiro país a repatriar os seus compatriotas. Recambiou mais de mil pessoas, enquanto os Estados Unidos cobrou para trazer os cidadãos americanos de volta em um navio de turismo. O Brasil foi o primeiro a falar em pausa humanitária. Sem fazer alarde, resgatou mais de 20 brasileiros que estavam na Cisjordânia. A China, o gigante da economia, está a mais de 10 dias na presidência provisória da ONU e não fez nada, absolutamente nada.
No início do conflito, o mundo inteiro ficou a favor de Israel, depois do massacre que o Hamas promoveu contra inocentes dos kibutz ou da rave, muitos que provavelmente apoiam a criação de um Estado Palestino. Mas Netanyahu exerceu o direito de defesa de uma maneira desmedida, jogando bombas contra os civis e matando principalmente as crianças.
Os brasileiros já foram liberados na lista de Israel. Mas ainda não puderam ultrapassar o portal rumo ao Egito porque o protocolo reza que os estrangeiros de várias nacionalidades só passam depois que as ambulâncias transportando feridos graves cruzarem a fronteira. As ambulâncias não chegaram porque Israel atacou áreas próximas a hospitais.
Estão brincando com a vida dos brasileiros e dos estrangeiros de outras nacionalidades. Poderiam permitir que os estrangeiros passassem sem as ambulâncias. Se alguma coisa acontecer aos brasileiros será considerado um crime de guerra. A vida vale mais de qualquer protocolo. Se é uma retaliação de Israel não faz o menor sentido, pois o Brasil só defendeu as regras humanitárias e a paz.