Severino Francisco
Eu acho estranha a postura de alguns colegas que tripudiaram da ação diplomática do Brasil ao ocupar a presidência provisória da ONU pelo período de um mês. Eles zombaram porque o Brasil não conseguiu aprovar uma resolução em favor da paz. Ora, estava tudo certo nas articulações com todos os países, mas, na hora crucial, os Estados Unidos apresentaram um veto absurdo só para esvaziar a liderança do Brasil pela paz.
Aí, espicaçaram o governo brasileiro sob o argumento de que estaria se arvorando em líder internacional e não tinha as credenciais para isso. Ora, foi a primeira vez, depois de 15 anos, que uma resolução havia sido aprovada por 12 países, dois se abstiveram (Rússia e Reino Unido).
Eu acho que esses críticos gostariam que o discurso do Itamaraty na ONU fosse mais ou menos neste tom: “Nós somos uns vira-lata no concerto das nações. Não contamos nada. Não somos uma potência da guerra, não temos uma indústria bélica relevante, não ganhamos nada com os conflitos internacionais. Não temos guerra há muito tempo. É bom que sejamos párias internacionais, isso nos livrará do comunismo, do globalismo e do multilateralismo. Só nos ganir de humildade. É melhor perguntar para o Biden ou o Xin Jinping. I love Biden! I love Trump!”
Em vez disso, a postura do Brasil foi ativa, altiva, elegante e serena. Foi o primeiro país a repatriar os seus compatriotas. Recambiou mais de mil pessoas, enquanto os Estados Unidos cobrou para trazer os cidadãos americanos de volta em um navio de turismo. O Brasil foi o primeiro a falar em pausa humanitária. Sem fazer alarde, resgatou mais de 20 brasileiros que estavam na Cisjordânia.
A postura absurda dos Estados Unidos no Conselho de Segurança da ONU foi uma falsa vitória. Os diplomatas brasileiros costuraram um acordo para um texto razoável que possibilitaria a criação de um corredor humanitário, a assistência, a proteção e a evacuação dos civis, mas o governo americano apresentou um veto em cima da hora para permitir o protagonismo de Biden, sob a falaciosa alegação de que a carta vedava a autodefesa de Israel.
No início do conflito, o mundo inteiro ficou a favor de Israel, depois do massacre que o Hamas promoveu contra inocentes dos kibutz ou da rave, muitos que provavelmente apoiam a criação de um Estado Palestino. Mas Netanyahu exerceu o direito de defesa de uma maneira desmedida, jogando bombas contra os civis e matando principalmente as crianças.
O veto dos Estados Unidos à resolução proposta pela Brasil terá consequências imprevisíveis. Em vários pontos do mundo, se espraiam manifestações antissemitas e antislâmicas. A resolução do Brasil era a mais viável e se essa guerra se disseminar, será preciso voltar a ela. O chanceler brasileiro Mauro Vieira foi incisivo ao afirmar que era lamentável que a ONU não consiga aprovar uma resolução sobre o conflito: “A estabilidade regional e internacional são essenciais para prosperidade e o desenvolvimento”.
As mulheres brasileiras encerradas na Faixa de Gaza dizem que as crianças estão com dificuldade de enxergar, com a vista turvada pela fumaça tóxica dos bombardeios. Se acontecer algo com os brasileiros será considerado um crime de guerra, pois não há nenhuma razão para impedir a saída de 34 pessoas que nada têm a ver com essa insanidade. Dos 34 brasileiros, 15 são crianças. Não faz sentido uma retaliação de Israel ou dos Estados Unidos ao Brasil, que só pediu que as regras humanitárias da guerra fossem cumpridas, que só defendeu a paz.