Severino Francisco
Em se plantando, tudo floresce em Brasília, até a cultura popular. Davi Melo é um personagem tipicamente candango. Nasceu no Plano Piloto, tem 31 anos, é filho de mãe piauiense e de pai carioca, mas se apaixonou pela cultura popular, se iniciou com mestre Zé do Pife e com os repentistas da Casa do Cantador. Ele vive a cultura popular e vida da cultura popular.
Criou a empresa de comunicação Pareia, que produz fotos, vídeos e textos sobre temas relacionados à sua paixão. Sob o impacto da pandemia, ele acaba de escrever o cordel A Peleja de Lampião com o Coronavírus ou o Grande Rei do Cangaço contra a Micro Besta Fera,que está sendo veiculado pelo Youtube.
Vamos a alguns trechos que narram o drama no qual estamos mergulhados de corpo e alma: “O ano dois mil e vinte/foi tenso, bem arretado/e dois mil e vinte um/Também será azeitado/Foi o tal vírus Corona/Que fez uma grande zona/Deixou o povo aperreado/O bichinho é miudinho/Mas é virado do cão/Assombrosa Besta-fera/Que cruzou nosso mundão/Gera morte, sofrimento/saudade, entristecimento/De toda gente e nação”.
Os governantes não deixam de levar as merecidas lambadas, mas os heróis dessa guerra contra o inimigo invisível são exaltados: “E somado a tudo isso/De líderes carecemos/Que queiram, saibam agir/Contra tudo que sofremos/Também são a Besta-fera/Governantes desta era/Deles não esqueceremos/Profissionais de saúde/E também pesquisadores/Fazem um grande esforço/Pra sanar as nossas dores/São heróis da nossa história/Mesmo na insatisfatória/Governança de horrores”.
No entanto, a sabedoria da cultura popular nos ensina que a uma força sempre corresponderá outra força para equilibrá-la. E, do voo da imaginação do poeta irrompe a figura de Lampião, o rei do cangaço, acompanhado de um séquito de jagunços. Mas ele vem de outro mundo com uma outra feição, movido por valores de justiça para salvar o seu povo do vírus e da ignorância dos governantes.
Ele vem encourado e traja roupas vistosas, acompanhado pelo bando. Só que, em vez de fuzis, os cangaceiros portam frascos de vacinas, seringas e álcool em gel. Se as ações de Lampião como bandoleiro dividiram as opiniões, desta vez tudo mudou: “E falou que essa conquista/Era demanda terrestre/Uma tarefa difícil/era coisa para mestre/no vírus passar o rodo/vacinar o mundo todo”
Se os governantes não protegem a nação, o povo tem de se salvar: “Quando é dado só migalha/por algum líder gentalha/o povo assume a frente/Dona Maria Bonita/fez todo o planejamento/mapeando as cidades/do grande vacinamento/Volta Seca, o cantador/ia versando com primor/durante o prosseguimento”.
A luta contra o vírus não seria tão fácil. Ao saber da campanha, o Corona reage com virulência: “O Corona se informa/e fica enfurecido/não se conforma/micróbios são convocados/que se ajuntam engajados/criando uma nova forma/e um ser muito feroz.”
Lampião contra-ataca armado de vacina, álcool em gel e máscara. E derrota o Corona: “Com o povo vacinado!/Lampião e o seu bando/voltaram para o além/com sua missão cumprida/que pro mundo trouxe bem/o Corona se findou/e nunca mais voltou/a fazer mal a alguém/Essa história que aqui conto/é relato de esperança/medonha, arretada/mas que nos traz a lembrança/que tudo isso vai passar/logo vamos retornar/que já já vem a festança”. É bom a gente dedicar alguns instantes a sonhar acordado porque a poesia popular é, quase sempre, uma promessa de justiça e de felicidade.