Severino Francisco
Estamos expostos a tantas coisas estranhas, que me deu vontade de falar de uma pessoa positiva, construtiva, inteligente, divertida e bem-humorada: João Antônio. Só de vê-lo a gente se sente bem. Uma das medidas mais lúcidas que a UnB tomou foi a de incorporar João e Hugo Rodas ao departamento de artes cênicas da universidade. Com isso, transformaram o referido departamento em um viveiro de bons atores e encenadores.
João costuma dizer que não nasceu, mas renasceu em Brasília. Chegou à cidade em julho de 1971, pois tinha brigado com Pietro Maria Bardi, que resistia à ideia de instalar um espaço de teatro no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Veio para espairecer. Nunca mais voltou.
Se lançarmos uma mirada na história do teatro de Brasília, depois da década de 1970, constataremos que ele está por trás ou à frente dos fatos mais importantes. Ele é um desbravador em quase tudo no teatro brasiliense. Vejamos: foi o primeiro assessor de teatro da Fundação Cultural, onde ficou 10 anos. Não se trata de passagem burocrática. Deixou um legado.
Inventou o Teatro Galpão e o Teatro Galpãozinho, a semente para o Espaço Cultural Renato Russo da 508 Sul. E de um jeito bem brasiliense: invadiu, ou melhor, ocupou. João percebeu que havia dois galpões de depósitos vazios e sugeriu a Ruy Pereira da Silva, diretor da Fundação, e a Wladimir Murtinho, secretário de Cultura do DF, que os prédios fossem transformados em teatro. É uma lição de amor à cultura a ser reverenciada e imitada. Que intuição luminosa!
É, portanto, graças a João que temos dois teatrinhos essenciais. Muitos eventos culturais memoráveis aconteceram e estão acontecendo ali. Os grandes atores não se forjam nas salas suntuosas, mas, sim, nos teatrinhos vagabundos. João criou a Ensaio, Teatro e Dança, a primeira do gênero em Brasília. Dulcina de Moraes era veloz de sensibilidade e convidou João para ser o primeiro chefe de departamento da faculdade que leva o nome da dama do teatro.
No entanto, ele não parou aí. Inventou o Departamento de Artes Cênicas da UnB. Percebeu que, em uma cidade nova, a cultura precisa de instituições para florescer. É por isso que Brasília revela tantos atores talentosos.
Outro destaque foi a montagem de Valsa número 6, de Nelson Rodrigues, que lançou Bidô Galvão, uma das melhores atrizes da cidade. Mas, no Hospital Sarah, João dirigiu uma série de espetáculos, com resultado muito positivo. Conseguiu reduzir a quantidade de remédios para aliviar a dor no hospital. É a prova de que o teatro tem funções dramáticas, cômicas, rituais, educativas e também analgésicas.
Na pele do ator, uma das melhores interpretações de João ocorreu na antológica montagem de O rei da vela, sob a direção delirante de Hugo Rodas. João recebeu o título de professor emérito da UnB. E, com justiça, aproveitou a condição de pioneiro e de candango para impulsionar o teatro brasiliense. Brasília ficou menos chucra por causa do João. Ele é um exemplo de amor incondicional à cultura. Merece todo o nosso reconhecimento e a nossa reverência. Como disse Cartola, quem gosta de homenagem depois de morto é estátua.
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