Severino Francisco
Li no caderno Cidades que as corujas têm um abrigo e são protegidas por moradores da Octogonal e lembrei de um episódio com esses personagens do cerrado. Foi uma experiência de suspense hitchcokiano, em que um exemplar do Correio Braziliense atuou como um dos principais elementos da trama.
Em Brasília, sempre é possível topar com alguma coruja e… Imagino que as batidas cardíacas do leitor se aceleram, o suor começa a escorrer pelas têmporas e a adrenalina já alcança um grau quase insuportável. Mas, calma, sangue frio: não precipitemos a ação e vamos tocar a narrativa passo a passo para não esvaziar o interesse. O nível de excitação deve subir de maneira gradativa até o desenlace, como convém ao gênero.
Não acredito na superstição popular de que as corujas são bichos agourentos. Com sua visão aguda à noite, elas são excelentes predadoras de ratos e de vários insetos. Mas, confesso que não tenho nenhum fascínio pelas corujas. Sempre procuro ignorá-las, pois elas parecem permanentemente ocupadas em reflexões sombrias, sorumbáticas, cavernosas e pessimistas.
Se você perguntar a uma coruja o que acha da crise econômica, é muito provável que responda: “Pelos meus cálculos, no melhor dos cenários, essa crise só vai se resolver daqui a uns três séculos”. Como diriam os goianos do interior, quando querem espantar previsões fatídicas: “Vira essa boca (ou esse bico) para o cerrado, dona coruja!”
Não tenho preguiça de caminhar e, numa tarde de sol feroz, atravessava um descampado do Setor de Autarquias Norte, quando, de repente, senti uma ferroada na cabeça, ouvi um rumor abrupto de asas e me assustei com um grasnido de guerra. O instinto de defesa se acendeu e o corpo se retesou todo em estado de alerta. A sensação de pânico era a mesma do personagem do filme de Alfred Hitchcock atacado por misteriosos pássaros.
Ao me virar, divisei uma coruja de olhos atentos, pousada em cima do galho de uma árvore retorcida. Lembrei que haviam me dito que as corujas viram feras quando alguém passa perto de seus ninhos. Dei mais uma olhada e prossegui, mas a coruja me atacou outra vez e, instintivamente, me protegi com o único objeto que levava à mão: um exemplar do Correio Braziliense.
A coruja dava voos rasantes e bicava ou aplicava suas garras nas manchetes do dia com fúria, principalmente quando se tratava da corrupção dos políticos flagrados na Operação Lava-Jato.
Decerto, quando me afastei do ninho, me deixou em paz. Virei-me para ela e tentei esclarecer: “A senhora se enganou de cronista. Quem escreveu uma crônica irreverente sobre a senhora, se não me engano, foi o Gustavo Falleiros ou o Guilherme Reith, de Cidades. E, se a senhora não gostou, poderia ser mais elegante e enviar o protesto para a coluna Senhor Redator, aos cuidados de Dad Squarisi ou Rosane Garcia, pois, com certeza, elas publicarão seus reparos. Onde está a decantada fleuma filosófica das corujas?”
A coruja ouviu tudo impassível me mirando com o semblante austero de um verso de Nelson Cavaquinho e comentou: “Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor. Esse cronista não entende patavina de corujas. Ele não sabe que as corujas só falam nas fábulas de La Fontaine ou nos contos de Monteiro Lobato”.
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