Guilherme Reis

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

A última vez que vi Guilherme Reis, que nos deixou na terça-feira, aos 70 anos, foi na sala Martins Pena, durante o Cena Contemporânea. Estava radiante com o sucesso do evento, sorria com os olhos, as mãos, os braços, os cabelos e as pernas, em cima de uma cadeira de rodas. Quase todas as sessões tiveram ingressos esgotados. Ele sentia-se inebriado como o diretor de um grande espetáculo para 10 mil pessoas que ocupou o DF.

Guilherme era uma das pessoas que conferiu alma a Brasília, com o dinamismo, a inquietação, a generosidade e a capacidade de criar, de sonhar e de transformar os sonhos em realidade. Aterrissou em Brasília com 5 anos, em 1960, era um filhote do espírito de utopia que fundou a cidade. Herdou o espírito comunitário e sempre teve o olhar da troca, do intercâmbio e do compartilhamento de experiências.

Guilherme Reis era animado por uma paixão absoluta pelo teatro, que se manifestava em todos os atos cotidianos. Levava o espírito de comunhão das artes cênicas para todos os atos da vida. Ele e a amada Carmem Moretzsohn precisavam ler qualquer texto em voz alta para sentir o peso, o pulso, o ritmo e a música das palavras.

Nunca quis fazer outra coisa da vida senão do teatro. Por isso, para sobreviver do ofício, aprendeu a jogar em todas as posições. Era ator, diretor, produtor e gestor cultural. Cobrava o escanteio e corria até a área para cabecear a bola. Esteve no palco, nos bastidores e na articulação das principais realizações do teatro de Brasília durante cinco décadas.

De fato, a trinca Hugo Rodas, João Antônio e Guilherme Reis inventou teatro brasiliense. Mas isso nunca significou autoinsulamento provinciano. Guila notou que Brasília se ressentia de estar fora do circuito dos grandes espetáculos internacionais que passavam pelo país. Então, resolveu criar um evento internacional com o objetivo de criar uma via de mão dupla. Daí, nasceu em 1995 o Cena Contemporânea. E o projeto foi bem-sucedido tanto do ponto de vista do público quanto da interação entre os grupos.

Houve um ganho não apenas na formação de plateias, mas, também, de um público especial, que aprendeu a ver não apenas o que gosta. Aprendeu a ver um teatro experimental, inovador e provocador. E isso alimentou a produção cênica na cidade. Todos beberam na água do Cena.
Qualquer geração produz pessoas talentosas. Mas eu fico em dúvida se a cidade ainda é capaz de forjar pessoas da qualidade artística e humana de Guilherme Reis. Apesar da dor pela perda de figura tão preciosa, Guilherme foi celebrado no foyer da Sala Martins Pena com salva de palmas, com música e com alegria. Realmente, ele tornou Brasília mais humana, mais amante do teatro e mais feliz.

Cultivava uma arte poderosa, mas efêmera e fugaz. Que o festival Cena Contemporânea, o legado mais concreto que deixou, permaneça vivo e entre para o calendário oficial permanente da cultura de Brasília, de maneira semelhante ao Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Seria a melhor maneira de homenagear Guilherme Reis. Como bem disse João Antônio, Guila deixou um rastro de beleza, de inteligência, de elegância, de generosidade e de amor ao teatro no coração de Brasília.

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