Severino Francisco
De uma maneira geral, sabemos pouco sobre a Ucrânia, que integrava a antiga União Soviética. A referência mais forte é a nossa Clarice Lispector, que nasceu na aldeia de Chechel’nyk, em 1920, mas se considerava brasileira e, antes de tudo, pernambucana. Chegou ao Brasil com 2 anos de idade e afirmou: “Naquela terra eu literalmente nunca pisei: fui carregada de colo.”
Mesmo no mundo globalizado, parece um lugar tão longínquo quanto a Lua. Mas, por mais alienados que sejamos, a guerra da Ucrânia chega cada vez mais perto de nós, entra pelos nossos olhos, com imagens estarrecedoras. É o bombardeio em prédios de civis, o tanque de guerra que passa por cima de um carro, os fugitivos que se refugiam na fronteira da Polônia, sem saber para onde ir, os jovens ucranianos que são separados de suas famílias nos trens e obrigados a voltar para lutar e talvez morrer em uma guerra desigual. E são as crianças que brincam e revelam o absurdo da tragédia humanitária.
Sou um admirador fervoroso da Rússia por causa de Dostoiévski, de Gógol, de Tchecov, de Maiacóvski e de Eisenstein. E, também, pela bravura da resistência contra o nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. Mas, agora, a situação se inverte: a Rússia é a invasora.
As declarações oficiais de Putin são desmentidas, de maneira brutal, pela violência e estupidez da guerra. A questão e a paranoia geopolítica não justificam quebrar a soberania de outro país. Ele está censurando a imprensa russa, proíbe usar as palavras “guerra” e “invasão”. Chamou o ataque à Croácia de “operação especial”. O site inglês The Telegraph informou que as forças russas portam um crematório móvel com o objetivo de reduzir o impacto das baixas da tropa no campo de batalha.
Querem que o mundo acredite que estamos em uma guerra limpa, na qual os russos são superheróis invulneráveis e, quando morrem, desaparecem, viram cinzas, sem deixar vestígio da morte. Outras guerras recentes escaparam à vigilância das câmeras da era digital, mas essa, mesmo com a tentativa de cerceamento imposto, não passará incólume.
E elas mostram que não existe guerra limpa. As forças militares russas despejaram 160 mísseis sobre a Ucrânia. Vemos que não caem apenas em alvos militares, mas, também, nos civis, em uma ação covarde. No fim das contas, perdem todos, inclusive os supostos vencedores do ponto de vista militar. O verdadeiro inimigo a ser atacado, no momento, é o aquecimento global.
Os americanos e os russos amealharam poder bélico para destruir o planeta 10 vezes. Esse fato torna qualquer guerra insana. Só a necessidade de justificar o investimento bilionário na indústria bélica pode explicar as guerras no século 21. É preciso, em algum momento, inventar uma guerrinha para testar os armamentos e alegar legítima defesa.
Na cidade portuária de Henichesk, uma ucraniana protagonizou uma cena pungente. Ela abordou a um soldado russo e lhe ofereceu sementes de girassol. Perguntou, para embaraço do militar, por que eles estavam lá com a missão de matar os ucranianos, que não lhes fizeram nada: “Vocês ocupantes são fascistas. Pegue as sementes e coloque-as no seu bolso, pois pelo menos assim brotarão girassóis em solo ucraniano depois de sua morte.”
Essa guerra não tem vencedores, todos perderão, a não ser a indústria bélica. Ela é um retrato da estupidez dos líderes atuais do mundo. Os impactos humanitários, econômicos, políticos e sociais serão sentidos em vários pontos do planeta. Todas as guerras, com exceção das defensivas, são crimes contra a humanidade.
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