Figura elegante

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

O professor José Carlos Coutinho é uma das figuras mais elegantes, admiradas e distintas da cidade. Ele pode ser encontrado em todos os lugares onde acontecem eventos culturais importantes. Segundo José Geraldo Sousa Júnior, a presença de Coutinho em um evento é um selo de qualidade.

Com certeza, e, sabedores da alta credibilidade de Coutinho, os produtores disputam a tapa a aparição da ilustre figura. Coutinho é tão assíduo que muitos juram tê-lo visto em três eventos de lugares diferentes ao mesmo tempo, com testemunhas idôneas.

Enquanto muitas excelências tratam Brasília como mero cenário para um faroeste caboclo, Coutinho não apenas vive em Brasília; ele vive Brasília o tempo todo. Durante mais de 40 anos, ele contribuiu para a formação de várias gerações de brasilienses como professor da Faculdade de Arquitetura da UnB. Mais do que um professor, ele é um mestre.

Brasília foi criada por artistas e por um presidente com alma de artista. E Coutinho assimilou a lição. Com a aposentadoria, ele se permitiu transformar em projeto de vida aquilo de que que mais gosta: acompanhar a agenda cultural de Brasília. Se a cidade não tinha esquinas, inventou muitas e Coutinho as frequenta. Se você quiser encontrá-lo, não mande um zap; vá ao Cine Brasília, ao CBBB, ao Clube do Choro ou ao Eixão do Lazer.

Coutinho se encanta com o jardim aquático de Burle Marx na 308 Sul, do pontão, dos parquinhos das superquadras, do Beirute, da Ponte dos Arcos e da Escola de Música e do Lago Paranoá. Mais do que o Itamaraty ou a Catedral Metropolitana, ele considera o Lago Paranoá a obra mais fascinante de Brasília. Não é uma dádiva da natureza; é uma criação da inteligência humana, argumenta.

Durante a pandemia, Coutinho enfrentou um dos períodos mais difícieis para viver Brasília. Mas ele não se resignou. Um dos poucos locais que tinha permissão para funcionara eram as igrejas evangélicas. E, mesmo sem ser religioso, Coutinho frequentava os templos para ouvir, conversar, conhecer e trocar uma ideia, sem o menor preconceito.

Coutinho chegou a Brasília em 1968, com 33 anos, para ministrar um curso de seis meses na Universidade de Brasília. Todavia, os alunos gostaram tanto que, praticamente, exigiram que ele continuasse. E Coutinho se tornou um brasilense de corpo e de alma. Ele é uma figura generosa, elegante, gentil e bem-humorada, mas sem perder o senso crítico e verve gaúcha jamais.

Se tivesse poderes para tal, Coutinho gostaria de criar uma lei para que, antes de assumirem cargos públicos, todos os governantes fizessem um curso sobre patrimônio histórico. Admira a cidade como poucos. No entanto, isso não significa que abra mão do senso crítico. No programa Cultura ao Quadrado, de Márcia Zarur, ele evocou um episódio ilustrativo de sua postura.

Certa vez, Niemeyer visitou a UnB e, ao ser convidado a passar pela Faculdade de Arquitetura, ele se recusou, pois, lá, teria um inimigo: José Carlos Coutinho. Na época, Coutinho sentiu o impacto, mas, com o passar do tempo, virou uma piada. Com toda a genialidade, Niemeyer tinha dificuldade de aceitar reparos à sua obra. E, para Coutinho, o apreço pela cidade e o senso crítico não são incompatíveis. Não é para qualquer um ser “inimigo” de Niemeyer.

Mas o nosso personagem cultiva também histórias felizes com os criadores de Brasília. Numa das vindas de Lucio Costa à cidade, em 1985, Coutinho e um grupo de arquitetos convidaram o urbanista para conhecer o bar Moinho na 114 Sul. Lucio foi reconhecido pelos frequentadores, que irromperam em salva de palmas, sem nenhuma premeditação.

E, lá pelas tantas, uma moça levantou-se da cadeira, enlaçou Lucio Costa por trás e deu-lhe um delicado beijo na careca. Era o reconhecimento de uma geração que teve o privilégio de crescer em uma cidade-parque, cidade-céu, cidade de construções com espaço calculado para nuvens, como escreveu Clarice Lispector. Cidade que Coutinho ensinou e ensina a a amar, criticamente, como poucos.

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