Fernando Sabino

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Sempre tive curiosidade de saber das relações de Fernando Sabino com a cidade. O mineiro está sendo homenageado com uma ampla mostra de cinema. Em um lance feliz do acaso, entrei em contato com Domingos Sabino, filho da irmã do escritor, Maria Conceição Sabino Diniz, brasiliense por adoção. É pelos olhos de Domingos que evocarei algumas passagens de Fernando pela cidade.

Apreciava a beleza plástica, mas o voo modernista da arquitetura de Brasília, com seus jardins exóticos e seus espaços vazios, sempre esteve aliado ao prazer mineiro de curtir a presença de famliares e de amigos. A falta de esquinas e de maior fluxo de gente nas calçadas evitava, infelizmente, encontros casuais.

Entretanto, Sabino não dava a essa característica um peso inteiramente negativo. Brincava que isso obrigava os amigos a terem um comportamento inglês, marcando horários rígidos para um encontro. Ele foi adido cultural em Londres.

Libriano, afetuoso e elegante, quando ficou pronto o livro O gato sou eu, Fernando desejou prestar uma homenagem à irmã candanga e aos sobrinhos, lançando a obra de maneira insólita, em uma banca de jornal da SQS 105, próximo ao prédio em que residiam. Claro que a manhã de autógrafos virou um tremendo tumulto e foi preciso chamar a polícia para botar ordem no trânsito. Fernando achou tudo muito divertido e, para completar o caos, convidou os mais resistentes para comer pão de queijo com uísque no apartamento da irmã.

A pedido dos amigos brasilienses, ele realizou duas apresentações em Brasília com a banda de jazz. Devidamente acomodada em seus lugares, a plateia demonstrava ceticismo quanto às aptidões musicais do convidado, não economizando gozações. Fernando ignorou, olimpicamente, as provocações, esquentando as baquetas na mesa.

Mas, depois de ser chamado ao palco, para ocupar a bateria, calou a boca dos detratores e arrancou aplausos. Diferentemente da abominável sentença pós-moderna (“cada um com seus problemas”), Fernando sempre repetia: “Resolva, primeiro, o problema do outro, depois, o seu”.

Em uma das vindas a Brasília, para participar de um programa de palestras no Congresso Nacional, saiu direto do aeroporto, entrou em uma sala povoada por jovens e entabulou animada conversa. A certa altura, Domingos descobriu que haviam entrado em sala errada e avisou, discretamente, a Fernando. Esse não teve a mesma parcimônia: anunciou, a plenos pulmões, que Domingos pretendia retirá-lo do recinto e recebeu calorosos aplausos, enquanto o sobrinho ganhou estrepitosa vaia.

No dia do sepultamento de Sabino, a sua banda de jazz surgiu detrás dos enormes jazigos, numa aparição espectral, executando um improviso tocante. A pedido dele, foi inscrita em sua lápide: “Aqui jaz Fernando Sabino. Nasceu homem, morreu menino”.

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