Fausto Nilo

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Não conheço Fausto Nilo, mas, ao mesmo tempo, conheço muito Fausto Nilo. Ele é autor de várias canções que compõem a trilha sonora de minha vida. Ouvi, ouço, cantei e canto várias composições dele. Não importa se desafinado, desentoado e descompassado. Dona da minha cabeça, ela vem como um carnaval. E toda paixão recomeça, ela é bonita, é demais. Não há um porto seguro, futuro também não há. Mas faz tanta diferença quando ela dança, dança.

Meu amor, quem ficou nessa dança, meu amor, tem fé na dança. Nossa dor, meu amor, é que balança, nossa dor, o chão da praça. No azul de Jezebel no céu de Calcutá, feliz constelação. Reluz no corpo dela, Ai tricolor calar! Ás de maracatu no azul de Zanzibar. Ali meu coração zumbiu no gozo dela. A flor do desejo e do maracujá. Eu também quero beijar. Do farol da barra ao jardim de Alá. Eu também quero beijar.

As parcerias que fez com Moraes Moreira, Fagner, Armandinho, Pepeu Gomes, Robertinho do Recife e Dominguinhos só são comparáveis às de Tom Jobim e Vinicius, João Bosco e Aldir Blanc, Bebeto e Romário, Zico e Nunes. Teve mais de 100 parceiros e fez mais de 500 canções.

Os encontros enriqueceram, potencializaram e diversificaram a poesia de Fausto Nilo. Ao fazer canções com Moraes Moreira, Armandinho e Roberto do Recife, ele se bainaizou e, em contrapartida, cearencizou os parceiros.

É um poeta requintado, mistura referências eruditas e populares, em uma química singular, sem derrapar jamais no pedantismo intelectual. Popular não é sinônimo de porcaria. Lapida a poesia até ela atingir o estado de pura música. Às vezes, a poesia dele parece um papo prá lá de marrakeshi.

Mas tudo faz sentido quando é cantada e, principalmente, para multidões, pois balança o chão da praça. Há uma história reveladora. Fausto gosta de fazer a letra em cima de uma base musical. No entanto, quando compôs Zanzibar com Armandinho, uma palavra não lhe agradou e ele ficou emperrado. Saiu para caminhar e, ao passar em frente a um boteco pé sujo, próximo ao Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, de repente, um bêbado saiu, deu uma tremenda cusparada que quase acertou em Fausto, voltou para dentro e emendou uma história: “Aliás,….”

Era a palavra que faltava, cabia com perfeição sonora e rítmica na letra: “Ai, mina, aperta a minha mão/Alah, meu only you no azul da estrela!/Aliás, bazar da coisa azul, meu only you/É muito mais que o azul de Zanzibar/Paracuru, o azul da estrela, o azul da estrela”. Nos shows, quando a Cor do Som cantava “aliás”, a plateia entrava em êxtase.

Fausto nasceu em Quixeramobim, no interior do Ceará, na casa em que morou Antonio Conselheiro. Quando esteve internado em Portugal, pouco antes de morrer, Glauber Rocha queria fazer um filme sobre Antonio Conselheiro, com Fausto e Fagner de atores. Durante a infância, ouviu música brasileira e americana de qualidade no alto falante da cidadezinha: “Eu tenho no coração uma voz de cristal”, evoca Fausto na canção Alto falante, parceria com Moraes Moreira.

Ao se mudar para Fortaleza, ficou amigo de Belchior quando eram adolescentes na escola. Participava da boemia musical da turma de Fagner, Belchior, Roger e Ednardo, entre outros. Em 1971 e 1972, Fausto morou em Brasília, recém-formado em arquitetura, pela Universidade do Ceará. Por aclamação dos alunos, se tornou professor da UnB. Certo dia, Fagner provocou o amigo a fazer letra para uma canção. Fausto compôs Fim do mundo, gravada por Fagner e Maria Medalha, e nunca mais parou.

O ariano Fausto Nillo fez 80 anos ontem. Resolvi escrever neste alto de página porque ouvia e entoava canções que nem sabia que eram dele e, como bem disse Cartola, quem gosta de homenagem depois de morto é estátua. Em 13 de junho, Fausto Nilo apresenta show no Clube do Choro, com as suas canções. Ele faz aniversário e nos agraciará com o presente de cantar Chão da praça, Pão e poesia, Dona de minha cabeça, Você se lembra, Periga ser, entre outras. Vamos ao Clube do Choro celebrar esse grande poeta da moderna canção popular brasileira.

Felicidade é uma cidade pequenina, é uma casinha, é uma colina, qualquer lugar que se ilumina quando a gente quer amar. Eu digo e ela não acredita, que ela é bonita demais. Beijo a flor, mas a flor que eu desejo, eu não posso beijar. Tem fé na dança, meu amor. Nossa dor, meu amor, é que balança, nossa dor, o chão da praça. Alguma coisa quer voar, periga ser naquela usina. Novas estrelas vão brilhar, luar, luar, no azul que nunca se imagina. Periga ser na conchichina, periga ser naquela esquina, um passarinho me ensinou, pensa mais no teu amor que o resto sai na gasolina. Tem fé na dança, meu amor.

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