Severino Francisco
O STF vai julgar em plenário recurso que pede a revisão de julgamento expedido pelo ministro Dias Tóffoli que determinou o arquivamento de ação movida pela CPI da covid do Senado contra a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro durante a crise sanitária. É difícil encontrar veredito mais absurdo.
A decisão de Dias Tóffili estava respaldada por parecer da Procuradoria Geral da República. E, além disso, ele ressaltou que cabe exclusivamente à PGR processar por supostas práticas de crime cometidas pelo presidente da República. Ocorre que os supostos delitos não prescreveram e o acusado não é mais presidente da República.
Os argumentos que a procuradora Lindôra Araújo utilizou para defender o arquivamento são insustentáveis e negados pela realidade dos fatos. Impossível permanecer em uma pretensa isenção gélida com um tema que colocou em risco ou ceifou a vida de milhares de pessoas.
O álibi de que não existe nexo objetivo entre as falas e atitudes do ex-presidente e os fatos não resiste a um exame rápido dos acontecimentos. A PGR argumentou que deixar de usar máscara não constitui crime, é uma infração menor, a ser punida com multa. Omite que, no caso, não se trata de um cidadão comum, mas, sim, do presidente da República, com toda a visibilidade e o poder de influenciar milhares de pessoas.
A PGR também minimiza a acusação de omissão e negligência nas providências para combater a crise sanitária. Ora, todos sabemos que muitas medidas só foram tomadas pelo governo federal graças às deliberações do STF para defender a saúde pública.
É óbvio que as campanhas e as declarações negacionistas da vacina provocaram a dúvida e o medo de tomar o imunizante durante a pandemia. E têm repercussões inclusive no alastramento de doenças que já estavam controladas.
Os magistrados não podem reclamar da dificuldade em julgar o caso em tela. O ex-presidente Jair Bolsonaro se esmerava em produzir, a cada dia, provas contra si mesmo, ao gravar vídeos em que dizia que a covid era uma gripezinha, ao propagar que a vacina poderia provocar aids e ao debochar das pessoas que morriam asfixiadas com falta de ar.
Como explicar a evidência de que, passados três anos de pandemia, o Brasil ocupa o vexaminoso segundo lugar no ranking de mortes, com quase 700 mil óbitos? Excesso de zelo, presteza na tomada de decisões, alinhamento com a ciência, conduta exemplar dos governantes, liderança positiva e cuidado com a vida?
Não bastassem a dor, as sequelas e as perdas de vidas provocadas pela tragédia sanitária, a omissão dos governantes e dos que julgam os seus atos irresponsáveis podem agravar ainda mais os efeitos dramáticos da crise na saúde pública ao longo do tempo. Os cientistas alertam que, infelizmente, estamos expostos a novas pandemias.
Em vez de inibir os candidatos a negacionistas numa eventual próxima tragédia sanitária, a resolução de Toffoli dá um sinal verde para a impunidade e para novas catástrofes humanitárias. Se se confirmar, a decisão de recusar a denúncia contra o ex-presidente entrará para a história como o caso exemplar em que uma ação foi arquivada por excesso de provas.
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