Evoé, Hugo Rodas!

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Severino Francisco

Escrevo ainda pilhado e inebriado com as performances poéticas e com as imagens pungentes de Hugo Rodas, nosso bruxo emérito do teatro, depois de assistir ao documentário Rodas de gigante, de Catarina Aciolly, na Mostra Brasília do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. “Só Hugo Rodas mesmo para fazer a gente sair de casa”, me disse uma amiga. E, de fato, o Cine Brasília estava lotado, com gente até nos relevos de Athos Bulcão.

Hugo aparece de corpo inteiro, com muitos momentos memoráveis e epifânicos. Ritualizava todos os momentos da vida. Esbravejava, dançava, falava e sorria com os olhos, as mãos, as pernas, os cotovelos e os cabelos. Era dionisíaco na arte e na vida. Não importa que tivesse mais de 80 anos, ele sempre foi um adolescente nato. Perto de Hugo todos eram caretas, embora fosse também paternal e chegasse a ser chamado de “Papito”. Ele enfrentou a doença e a morte com a liberdade, o senso de humor, a coragem e a alegria de sempre.

Catarina registrou imagens raras. Depois de sofrer com um câncer, a doença afetou os movimentos de Hugo, que se tornaram meio desconectados. Mas é impressionante, quando dançava em uma festa, o corpo dele se transmutava, as muletas eram incorporadas como instrumentos da performance. Pareciam uma extensão do corpo. No filme, ele diz que dançava melhor do que andava. Nada mais verdadeiro.

É desconcertante que um dos brasilienses mais legítimos era um uruguaio meio baiano. Hugo Rodas se tornou um dos mais importantes diretores do teatro brasileiro fazendo da nascente Brasília o seu campo de experimentações: “Eu fiquei em Brasília porque eu queria me tornar candango. Quando me perguntam se eu me tornei brasileiro, eu digo que, antes de ser brasileiro, sou brasiliense, sou candango”.

Em outra bela tomada, de frente para o Lago Paranoá, com a câmera se deslocando para a espacialidade do céu da cidade, Hugo faz uma declaração de amor a Brasília: “Eu lutei com todas as forças que eu tinha por esse horizonte”. E um outro momento tocante que ficou em minhas retinas é aquele em que Hugo atravessa, perigosamente, a W Sul, e, ao perceber, duas atrizes da trupe Agrupação Amacaca se colocam à frente para protegê-lo de um acidente. Hugo toma bronca das meninas e se diverte: “A vida é risco”.

Durante a pandemia da covid, enquanto o ex-presidente debochava dos que agonizavam com falta ar ou afirmava que não era coveiro ante milhares de mortes, Hugo concebeu uma linda performance no espaço aberto do Museu da República. Assumiu uma outra perspectiva para ritualizar a morte dos brasileiros.

Com os teatros de portas cerradas, ele resolveu transformar a cidade em espaço de intervenção cênica. Milhares de balões vermelhos foram lançados no céu de Brasília: “Quem parte é amor de alguém”. Nossos mortos foram religados por laços de amor em um ritual de afeição, de solidariedade, de luz e de leveza.

Na raça, sem dinheiro de edital, às próprias custas S. A. e dos amigos, Catarina acompanhou o cotidiano de Hugo durante os últimos quatro anos. Não dava tempo de esperar a burocracia estatal ou a boa vontade oficial dos que decidem. A tarefa era urgente, imperiosa e inadiável. Valeu a pena. Hugo Rodas era um teatro completo. Com muita sensibilidade e competência, Catarina captou o melhor das situações para transformá-las em documentário de poesia, revelador do legado de arte e de vida de Hugo Rodas.

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