Severino Francisco
Para mim, ler Oswald de Andrade foi uma revelação, pois ele mostrava que era possível inventar uma grande arte a partir da “contribuição milionária de todos os erros”, mesmo na condição brasileira de país invadido culturalmente, na periferia do capitalismo: “Tupi or not tupi, that’s the question”, dizia Oswald, em sentença que ganhou nova atualidade na era da globalização, dos neocolonialismos e nos neoviralatismos.
Por isso, gostava muito de conversar com o professor Cassiano Nunes e com Oliveira Bastos, editor do Correio na década de 1980, na esperança de extrair alguma história hilária. Quando passava dos 60 anos, Oswald realizava palestra e, a certa altura, uma beldade o interrogou: “Mas o senhor é um sexagenário?”. Ao que Oswald, todo animado, replicou prontamente: “Não, eu sou um sexappealgenário”.
O crítico Antonio Candido era muito amigo de Oswald e estava preocupado porque o autor da teoria antropofágica queria apresentar uma tese na USP, sem o desejável preparo acadêmico: “Eles vão te massacrar em uma banca, Oswald. A linguagem da filosofia é muito técnica”, advertiu Candido.
Oswald pediu que lhe fizesse uma pergunta difícil e simulasse uma arguição na banca: “Vamos lá, senhor Oswald de Andrade, qual o escopo da dimensão ontológica da antropofagia?” Oswald não se abalou e respondeu: “Os senhores estão enganados, a questão da antropofagia não é ontológica; é odontológica. Mais uma pergunta?”
Essas evocações me vieram com as comemorações dos 100 anos do modernismo de 1922. E, ao folhear um livro de crônicas de Otto Lara Resende, organizado por Ana Miranda, me deparei com a narrativa da visita de Oswald a Belo Horizonte para realizar palestra, que, por tortuosos caminhos, tem conexão com Brasília.
A certa altura da palestra, Oswald começou a desancar os intelectuais católicos. Chamava Tristão de Athaíde de Tristinho de Ataúde. Disse que era terrível que jovens tão generosos, em vez de estarem ao lado das forças progressistas se abrigassem à sombra de uma instituição tão conservadora como a Igreja Católica.
Criticou, também, alguns intelectuais europeus exilados no Brasil. Acusou o austríaco Otto Maria Carpeux de ser colaboracionista do nazismo. O então jovem escritor Otto Lara Resende ficou indignado e pediu provas da grave acusação. Oswald não se intimidou e retrucou: “Ora, não se irrite Otto Lara Carpeaux de Resende”. O crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes subiu em uma cadeira e berrou: “Que morra a geração da piada!”.
E, para culminar a noite de escândalo, a bela Maria Antonieta de Alckmin, a mulher de Oswald, cantada ternamente em um poema (“Toma conta do céu, toma conta de mim/Maria Antonieta d’Alckmin”), desmaiou de maneira sublime. A conferência foi encerrada, abruptamente, e, quando estava do lado de fora do salão, Otto Lara sentiu um toque no ombro. Era Oswald, felicíssimo: “Muito bom, deveríamos repetir o espetáculo. É preciso agitar o brejo”.
Oswald ainda suplicou ao Otto que incentivasse o amigo Nelson Rodrigues a dar continuidade a uma polêmica pelos jornais. Nelson alçou Oswald à condição de “vaca premiada paulista, com argola no focinho”, e Oswald replicou que Nelson era “o nosso taradão ilustre com ferraduras mentais de analfabeto”.
Com cara de chinesinho, o então prefeito de Belo Horizonte saiu, discretamente, mas sacudido pelo riso frenético, em plena sintonia com o espírito modernista de Oswald. Era Juscelino Kubistchek, o homem que construiu Brasília.