Severino Francisco
Em meio a seca nos rios da Amazônia, enchentes no Rio Grande do Sul, focos de incêndios em vários pontos do país, ameaça de redução nas fontes de água, fumaça tóxica na atmosfera, prejuízos bilionários para o agronegócio, com o que as excelências do Congresso Nacional estão preocupadas? Em legislar para causa própria. No caso específico, querem restringir o poder de decisão do STF.
É uma retaliação aos limites que o STF impôs às emendas secretas, anomalia do orçamento, destituído de critérios técnicos e de transparência. As tais emendas interferem na disputa política. Reportagem do Correio mostra que os candidatos de partidos ligados ao Centrão, principal beneficiário das emendas, conquistaram 3476 prefeituras.
Quem recebe as emendas na ponta pode construir hospitais, escolas, estradas ou quadras de esporte. É algo que corrompe o sistema eleitoral, pois a disputa política ocorre em condições desiguais entre quem dispõe e quem não dispõe de orçamento secreto. Eis a principal razão que move a investida contra o STF.
As excelências não se resignam à atribuição constitucional de legislar; elas se arrogam o direito de atropelar os limites dos outros poderes e darem a palavra final. Mais do que isso, elas se arrogam ao direito de serem a lei. Qualquer decisão que lhes desagrade é interpretada como abuso de poder. Porque eles se julgam semideuses inimputáveis. Por isso, elegeram na condição de um dos heróis o bilionário Elon Musk.
A PGR e o próprio STF têm a sua parcela de responsabilidade nos acontecimentos ao adiarem, indefinidamente, a punição dos que afrontaram a democracia, com farta produção de provas. Para tanto, alegam que poderiam interferir no processo eleitoral. No entanto, essas autoridades já interferiram com a sua omissão.
Deixaram que esses personagens nocivos circulassem livremente, fizessem campanha para outros candidatos da mesma categoria, recebessem régia remuneração paga com o dinheiro dos fundos partidários e continuassem a campanha contra a legitimidade das urnas.
O que imaginavam? Que os autores de delitos permaneceriam inertes à espera da prisão? Claro que eles se articulariam para desestabilizar as instituições. E, quanto mais tempo passar, sem punição, mais ardis inventarão para escapar da Justiça e para fazer das vítimas os culpados.
Quando Elon Musk disse que não obedeceria mais ordens judiciais e retirou do ar o X, muitos sentenciaram que seria o fim do mundo. Todavia, nada disso aconteceu. Musk perdeu dinheiro, os acionistas pressionaram e ele foi obrigado a recuar e cumprir todas as exigências legais. A decisão do STF se tornou uma referência internacional no enfrentamento do arbítrio das big techs.
Intervir no Judiciário é uma atitude de manual das autocracias. Basta ver o que acontece na Venezuela, na Hungria ou na Polônia, não importa se à direita ou à esquerda. É uma proposta surreal que só tem como objetivo legislar em causa própria para fugir da justiça. Não tem o menor lastro na Constituição.
O Congresso Nacional quer usurpar o poder do Judiciário e se alçar à condição de instância revisora do STF. Aonde está o abuso de poder em exigir transparência das emendas parlamentares? Abuso de poder é manipular um orçamento secreto para turbinar candidatos e promover eleições fundadas em uma disputa desigual e quase sempre fadada ao fracasso para os que não dispõem desse cabo eleitoral nebuloso.
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