Em nome de Jesus

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Severino Francisco

Sou filho de um pastor presbiteriano, cresci lendo a Bíblia e ouvindo sermões. Com as experiências, as leituras e as reflexões, revi os preceitos recebidos e não professo mais essa fé. No entanto, alguns valores dessa formação religiosa permaneceram profundamente arraigados na minha consciência.

Mentir, roubar, matar, trair e invocar o nome de Deus em vão são obras do demônio. Por isso, sempre vi com espanto a onda evangélica na política nas últimas duas décadas. Salta aos olhos o abismo que há entre os valores professados e os atos das lideranças que misturam política com religião.

E, nesse sentido, o caso da deputada, cantora gospel e pastora Flordelis é bastante ilustrativo da degradação moral que assola o cenário político brasileiro. Ao longo de mais de duas décadas, ela construiu a imagem de uma grande mãe mítica, desprendida, generosa e cristã, que criava 55 filhos (3 de sangue e 52 adotivos).

Mas essa imagem desmoronou com as investigações sobre a morte do marido, o pastor Anderson do Carmo. Segundo a polícia, Flordelis foi a mandante do assassinato, cinco filhos participaram do crime, havia castigos violentos, evidências de discriminação, indícios de fraudes em adoções e de rituais tenebrosos. Flordelis chegou a ser mãe, sogra e esposa de Anderson.

E tudo isso em nome de Jesus ou de Deus, utilizados na condição de escudos de um falso moralismo. Flordelis afirmou em depoimento que não poderia se separar de Anderson porque “escandalizaria o nome de Deus”. Preferiu mandar matá-lo. O único valor que passa a reger algumas denominações religiosas é o dinheiro. Daí o seu sentido destrutivo.

A minha mãe era uma evangélica fervorosa em palavras, preces e atos de compaixão. Ela frequentava uma igreja. Certa vez, foi ao culto e passaram um chapéu para recolher doações. Minha mãe disse que só tinha o dinheiro do ônibus. O pastor respondeu: “Vá a pé”.

Ela contra-argumentou: “Mas estou com problema no joelho, ando de bengala”. O dirigente retrucou: “Vá assim mesmo, senão não receberá as bençãos de Deus”. Minha mãe pensou: “eles não são de Deus”. Nunca mais voltou, e procurou outra igreja evangélica para cumprir a devoção. Encontrou uma que não exigia nenhum dinheiro, onde só jejuavam e oravam pelos outros.

A noção de estado laico me parecia uma abstração jurídica até pouco tempo. Mas, agora, estamos vendo que a confusão entre política e religião é uma das coisas mais nefastas para a democracia. Temos a bancada da bala, a bancada evangélica, a bancada dos bancos, a bancada do veneno.

Faltam a bancada da educação, a bancada da ciência, a bancada da saúde, a bancada da cultura, ou seja, a bancada do interesse público e não dos lobbies corporativos. Eles mentem, roubam, matam e fazem apologia das armas. Tudo em nome de Jesus e de Deus.

Esses não são valores cristãos. Não são de Deus. Na linguagem bíblica, quem pratica tais atos são “sepulcros caiados”. Se Cristo voltasse à Terra, é muito provável que expulsaria os vendilhões do templo que invocam e conspurcam o seu santo nome em vão.

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