Severino Francisco
Passei batido pelo Dia dos Ciclistas, mas não tem problema. Todos os dias são dias de falar das coisas boas da vida. Quando alguém menciona as bikes, penso sempre em Uirá Lourenço, que foi meu aluno no curso de jornalismo. Ele é paraense de Belém, mora em Brasília desde 2005 e se tornou ciclista em São Paulo, nos tempos em que estudava biologia na USP e enfrentava o caos do trânsito na pauliceia desvairada ao trafegar de carro.
Certo dia, em 2000, teve um estalo, pegou a bicicleta empoeirada no porão da casa, montou, pedalou e tudo mudou em sua vida. Foi um caso de amor ao primeiro pedal. Descobriu que era muito mais fácil, prático, ágil e agradável transitar pela cidade de bicicleta. Quando se mudou para Brasília, logo constatou que a cidade era um convite irresistível para rodar de bike, com as retas intermináveis que parecem estacionar nas nuvens.
Uirá faz todos os deslocamentos na cidade de bicicleta. Para ele, é não só meio de transporte, mas também uma maneira de manter a saúde. Não precisa malhar em academia, não se estressa com a procura de vaga no estacionamento e não enfrenta engarramentos. A bike proporciona um outro tempo, mais lento, de contemplação da cidade-parque. Permite observar e fotografar as corujas, as curicacas, os tucanos e as araras. A época dos ipês é de alumbramento, pois é possível apreciar as mutações da natureza com calma e vagar.
Para ele, bicicleta é leveza, é liberdade de caminhos e possibilidade de encontros. Conheceu muitas pessoas e fez muitas amizades durante as travessias pelas trilhas da capital. Quando os filhos cresceram, ele comprou uma bicicleta dupla e, depois tripla, para passear pela cidade ao lado da esposa e dos garotos. Param para brincar ou fazer piqueniques.
Os filhos, Cauan, 13 anos, e Iuri, 14, vão de bike para a escola. Para ir, Uirá ou a esposa acompanham, pois o trânsito é intenso. Mas eles voltam sozinhos, quando a movimentação de veículos é menor. É algo que confere autonomia para os garotos, enquanto outras crianças são transportadas de carro pelos pais.
Uirá e a família fizeram muitos amigos nos trajetos de bike. Bicicleta é sinônimo de contato com a natureza, mas também de contato humano. É possível parar e conversar com conhecidos ou desconhecidos. De carro, a relação costuma ser de hostilidade, pois as pessoas, geralmente, estão estressadas pelo trânsito.
Uirá desenvolve várias ações para incentivar o uso da bicicleta em Brasília. Mas reconhece que os governantes ainda precisam formular muitas políticas públicas para melhorar as condições de segurança dos ciclistas. Integrar bicicleta, ônibus e metrô. Dar continuidade às ciclovias, permitir travessias seguras, reduzir a velocidade dos carros, estabelecer a conexão com as cidades da periferia e criar áreas de convívio. A bicicleta é uma utopia viável e real de mobilidade urbana.
Certa noite, de volta do CCBB, Uirá e a família passaram pelo Congresso Nacional e descobriram uns papelões, que eram um convite à brincadeira. Não titubearam, improvisaram uma esquibunda e desceram o declive do gramado várias vezes, soltando gargalhadas de alegria na solidão espacial das noites brasilianas. Se estivessem de carro, isso jamais aconteceria. Essa é uma das surpresas que a bike reserva aos que se aventuram a usá-la para transitar por Brasília. A bicicleta humaniza a cidade.
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