Severino Francisco
Ainda estou sob o impacto do documentário Dulcina de Moraes, dirigido por Glória Teixeira, que assisti na Mostra Brasília, em um Cine Brasília abarrotado. Acordei de madrugada com cenas do filme rodando em minha cabeça.
Dulcina era uma mulher divertida, elétrica, carismática e magnetizadora. O teatro estava no sangue. Ela nasceu durante uma turnê da trupe na qual o pai e a mãe, Átila e Conchita Moraes, participavam. Existem acontecimentos simbólicos. O pai exibiu na janela o bebê para os colegas da companhia, ela recebeu o primeiro aplauso e nunca mais viveu longe dos palcos.
Todos que se aproximaram dela foram tocados por sua paixão pelo teatro. Fernanda Montenegro, Marília Pera, Nicete Bruno são algumas atrizes que a tiveram como referência essencial. Somente essa ação já a distinguiria na história do teatro brasileiro.
Mas ela fez muito mais. Extinguiu a obrigatoriedade do chamado “ponto” no teatro (um sujeito ficava abaixo do palco e soprava o texto para os atores), lutou pela profissionalização dos atores, inovou na criação de cenários tridimensionais, promoveu a montagem de autores modernos importantes e fundou uma escola de teatro.
Embora em alguns momentos seja um pouco redundante, o documentário de Glória Teixeira é comovente. A cada depoimento, a figura de Dulcina se agiganta na condição de mulher, atriz, diretora e articuladora cultural. Dulcina dizia que o talento artístico já é uma fortuna. Os artistas deveriam preocupar-se em desenvolver, em primeiro lugar, os seus dons, sem maiores preocupações com o dinheiro.
Quando resolveu vir para Brasília, Dulcina estava no ápice da carreira de atriz e de empresária do teatro que levava o seu nome no Rio de Janeiro. Mas ela trocou a comodidade pela aventura na poeira dos tempos inaugurais de Brasília. Nunca se arrependeu.
No entanto, em Brasília, viveu uma tragédia cultural, pois, depois do regime de exceção, a cidade sofreu com mandatários desamantes da arte. E, com a redemocratização, a situação não melhorou. Ela não teve o apoio necessário para realizar o sonho de ver funcionar plenamente a Fundação Dulcina de Moraes. Até hoje, a instituição vive afundada em crise.
Depois de assistir ao documentário, lembrei-me de uma frase de Antonio Candido. Ele diz que os grandes homens e as grandes mulheres desapareceram porque dependiam das utopias. Elas não existem mais. As utopias nos tornam melhores do que somos.
Dulcina tinha uma fé no teatro capaz de abalar montanhas de entraves. O documentário é, a um só tempo, o retrato pungente de uma personagem extraordinária e o relato dramático de uma tragédia cultural. Dulcina engrandece e inspira. O drama da escola de teatro que ela criou na capital do país permanece sem solução.
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