Dulcina de Moraes

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Severino Francisco

Todos que se aproximaram dela foram tocados por sua paixão pelo teatro. Fernanda Montenegro, Marília Pera, Nicete Bruno, Françoise Fourton e os irmãos Fernando e Adriano Guimarães são alguns dos atores e diretores que a tiveram como referência essencial. Somente essa ação já a distinguiria na história do teatro brasileiro.

Mas ela fez muito mais. Foi uma atriz brilhante, dirigiu peças importantes, extinguiu a obrigatoriedade do chamado “ponto” no teatro (um sujeito ficava abaixo do palco e soprava o texto para os atores), lutou pela profissionalização dos atores, inovou na criação de cenários tridimensionais, promoveu a montagem de autores modernos importantes e fundou a primeira escola de teatro do Brasil.

Dulcina era uma mulher divertida, elétrica, carismática e magnetizadora. O teatro estava no sangue. Ela nasceu durante uma turnê da trupe na qual o pai e a mãe, Átila e Conchita Moraes, participavam. Existem acontecimentos simbólicos. O pai exibiu na janela o bebê para os colegas da companhia, ela recebeu o primeiro aplauso e nunca mais viveu longe dos palcos.

Para Fernanda Montenegro, Dulcina de Moraes é a personalidade mais importante do teatro brasileiro no século 20. Era uma mulher extraordinária, que abandonou o ápice da carreira de atriz, produtora e empresária no Rio de Janeiro para realizar o grande sonho de sua vida: fundar na nova capital uma Faculdade de Teatro que irradiaria a paixão pelas artes cênicas para todo o país. Os amigos diziam que ela havia enlouquecido. Em 1972, aos 64 anos, trocou a comodidade de uma cidade quatrocentona pela aventura da poeira de uma Brasília nascente. Começaria tudo do zero.Nunca se arrependeu.

O teatro só seria inaugurado em 21 de abril de 1980, mas ele se tornou um marco simbólico para a cultura brasileira. Um mês depois, o então presidente da República, Ernesto Geisel, regulamentou a profissão de artista e técnico em espetáculos.

Em entrevista a Sérgio Viotti, autor de biografia sobre a dama do teatro, Dulcina afirma, com todas as letras: “Eu amo Brasília. Amo. Quando volto pro Rio eu me sinto tão…tão… Tão – perdida. Tão fora de casa. Eu sinto falta destas larguezas. Desta amplitude. O Rio não era assim. Ficou sufocante. Aqui, eu respiro! Eu me sinto tão bem aqui! Eu me sinto livre! A minha quadra é das mais bem arborizadas”.

Dulcina tinha uma fé no teatro capaz de abalar montanhas de entraves. A sua vida é, a um só tempo, o retrato pungente de uma personagem extraordinária e o relato dramático de uma tragédia cultural. O drama da escola de teatro que ela criou na capital do país chega agora a um lance decisivo. A Justiça marcou o leilão de todo o sonho de Dulcina para a próxima quinta-feira.

Em documentário sobre Dulcina, dirigido por Glória Teixeira, Fernanda Montenegro fez um depoimento indignado contra Brasília. Ela diz que a falta de apoio a Dulcina é imperdoável: “É por isso que temos uma imagem tão negativa de Brasília.”

Mais do que com todo respeito, com toda reverência, parece-me que Fernanda foi injusta, não com os donos do poder, mas com os jovens, que sempre fizeram a resistência da Faculdade Dulcina de Morais e a mantiveram de pé, até hoje, aos trancos e barrancos. No entanto, a cobrança de Fernanda é justa para as excelências do poder.

O BRB, banco estatal de Brasília, por exemplo, investe investe 52 milhões por ano no Clube de Regatas Flamengo, do Rio de Janeiro. Metade desse dinheiro evitaria o desaparecimento do legado de Dulcina de Moraes, patrimônio cultural de Brasília e do Brasil.

Severino

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