Divina dama

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Severino Francisco

Para quem não conhece, Maria Cobogó é um coletivo de mulheres de diversas idades, elegantes, bravas, generosas, pilhadas, delicadas, inflamáveis e bem-humoradas. Elas sabem fazer as coisas acontecerem. Quando lançam livros no Beirute, falta quibe no pedaço. O nome é inspirado naquele material usado nos prédios de Brasília para permitir a passagem da luz e do ar.

E é precisamente essa a ação que o coletivo de mulheres empreende para colocar Brasília no mapa da literatura. Ao longo de quatro anos de existência, publicou mais de 20 livros e arejou o ambiente cultural. Os livros do selo Maria Cobogó são caprichados, esmerados e belos.

Duas produções foram reconhecidas como finalistas do Prêmio Jabuti: o projeto Calango Leitor, de estímulo à leitura nas escolas, coordenado por Claudine Duarte, em 2018, e o livro Fios, de Christine Nóbrega, destinado especialmente ao público infantojuvenil. Mas, como bem disse Fernanda Montenegro, os prêmios são acidentes na trajetória dos criadores da cultura.

Eles podem ser um sinal importante de qualidade, mas a relevância do trabalho delas transcende as láureas. Revelaram para a própria cidade muitas ficcionistas, poetas e artistas gráficos de talento. Mais recentemente, o grupo abriu uma nova vertente de produção: a coleção Mestres Cobogós, que apresenta os artistas criadores de Brasília para as novas gerações.

Darcy Ribeiro tinha como um dos seus mantras precisamente o lema: só se faz mestres com mestres. Nada mais verdadeiro. A presença de mestres fecundou e salvou Brasília da mediocridade. A série começou com Glênio Bianchetti, contemplou Athos Bulcão e, agora, celebra Dulcina de Moraes, em livro de Ana Maria Lopes e Marcia Zarur.

Dulcina de Moraes não nasceu; estreou. O pai e a mãe eram atores, estavam em turnê, foram expulsos de um hotel por causa da gravidez da matriarca e se hospedaram em um casarão cedido por uma alma generosa. Quando Dulcina nasceu foi exibida pelo pai na janela de um sobrado e toda a trupe aplaudiu. Nunca mais ela abandonaria a cena.

Ana e Márcia utilizaram a página como se fosse uma ribalta para que a própria Dulcina se revele, de viva voz e de corpo inteiro, com os traços marcantes, a boca pintada de batom vermelho, os óculos pretos imensos e as broncas memoráveis. Não eram chiliques gratuitos. Para ela, a arte estava acima de tudo. Dulcina era um teatro completo.

É admirável a integração e o diálogo entre texto e imagem, com uma estética fragmentária da era virtual no papel. Dulcina não nasceu, mas renasceu em Brasília. Jamais se arrependeu da aventura de abandonar a carreira de sucesso no Rio de Janeiro para encarar os desafios de uma capital nascente. Queria que o teatro se irradiasse a partir da capital do país. Ela tinha uma fé na arte capaz de mover montanhas de obstáculos.

O livro se insere no movimento de resistência da Fundação Dulcina. Não é uma ação panfletária; é uma ação educativa, lírica, afetuosa e amorosa. Nos sensibiliza para a figura extraordinária, vibrante, carismática e magnetizante de Dulcina de Moraes.

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