Devaneios com a Lua

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Severino Francisco

Clarice Lispector escreveu que os arquitetos criadores de Brasília construíram prédios com espaço para nuvens. No entanto, de fato, não é somente para as nuvens, mas, também para as estrelas, os cometas, as constelações, as galáxias e a Lua. Talvez nenhuma outra cidade tenha uma interação cotidiana tão intensa com a esfera celeste, não importa se durante o dia ou a noite.

Pois bem, nesta semana, ao sair da redação de volta para casa, no meio da noite brasiliana, logo em frente ao Palácio do Buriti, me deparei com uma Lua imensa, de intensa luminosidade prateada, que parecia se mover como um balão do período junino, de acordo com a movimentação do carro. Era todo um cinema transcendental que se vislumbrava no espaço.

A certa altura, tinha a nítida impressão de que a Lua estava abaixo da altura da Torre de TV. Mas, avançamos na Esplanada dos Ministérios e sentimos uma emoção forte. A Lua empinou para baixo e ameaçou desabar em cima do Ministério da Educação, no gabinete do ministro, que abrigava um gabinete paralelo, presidido por pastores evangélicos, que manipulavam verbas milionárias dirigidas a prefeituras ligadas a eles por interesses políticos, supostamente a mando do presidente da República.

Um pastor do gabinete paralelo teria exigido de um prefeito um quilo de ouro para liberar recursos de projetos da cidade. Tudo isso enquanto as crianças permanecem à míngua em muitas escolas, sem merenda ou sem computadores para estudar, envolvidos em uma onda de violência.

No entanto, o carro continuou a deslizar pela Esplanada, o prédio do Ministério da Educação escapou milagrosamente do abalroamento da Lua e ela ficou bem em cima da Câmara dos Deputados, aquela casa presidida por Arthur Lira, o líder da vanguarda do atraso, que colocou para votar um verdadeiro pacote da destruição ambiental, em que não falta nada para inviabilizar o futuro do Brasil.

Tem uso de mais veneno na nossa comida, a anistia para a grilagem de terras, a liberação do garimpo e das atividades agropecuárias em terras indígenas, a extinção do licenciamento ambiental e a flexibilização das leis de fiscalização. É algo tão absurdo que até a parte civilizada do agronegócio e da mineração se manifestaram contra a empreitada insana.

No carro, eu recitava os versos de Castro Alves, em feitio de oração: “Deus! Ó Deus! onde estás que não respondes/em que mundo, em qu’estrela tu t’escondes?” Enquanto seguíamos rumo à Ponte JK, a Lua pairou sobre a Procuradoria Geral da República, deixando no ar a esperança que se cumprisse algum desígnio da justiça divina. Mas a Lua me enganou, não fugiu à sina de esquiva, volúvel, instável e enigmática. Seduz e abandona os inebriados por sua beleza misteriosa.

Ameaçou desabar com o peso da justiça divina em vários prédios estratégicos da capital, no entanto, saiu de finininho, desapareceu na noite brasiliana, com um sorriso levemente irônico. Pode ser que uma alucinação auditiva, mas me pareceu que, antes de sumir na abóbada noturna, ela sussurrou: “Acabou a mamata!”

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