O artista plástico Wagner Hermusche está apresentando, no Museu da República, uma mostra de dramática atualidade: Coreografia da violência. Escrevi o texto de apresentação. Republico, neste espaço, com algumas imagens, como um convite a uma visita ao Museu da República. No mundo regido pela velocidade virtual, os acontecimentos se precipitam e se acumulam vertiginosamente. E, não raras vezes, as coisas preciosas nos escapam misturadas às supérfluas.
Severino Francisco
O vazio de valores da sociedade informatizada e a desregulação do mundo globalizado sob o império das grandes corporações nos empurraram para a barbárie. Em um mundo sem sentido e sem regras, vale a lei do mais forte. As mãos se transformam em armas; as armas, em extensões do corpo; o corpo em extensão das armas. O inferno é o outro.
Esta mostra é constituída por duas séries: Sociedade Multicultural Informatizada (1993-1995) e Ruídos Contemporâneos (2011-2017). Embora separadas por mais de 20 anos e por técnicas distintas, as duas séries interagem, dialogam, se complementam e convergem ao abordar o drama do homem contemporâneo.
A primeira série é uma coleção de pinturas foto-realistas. Nela, Hermusche utiliza, com precisão, a estética da publicidade para expor o drama estático da solidão, da despersonalização e da desumanização no mundo dominado pela tecnociência. Mas a assepsia da publicidade é sempre subvertida por uma montagem de choque. Uma pele de onça aparece fundida às manchas de um uniforme de guerra.
A sociedade informatizada é aquela em que os humanos se maquinizam e as máquinas se humanizam. Nas pinturas de Hermusche dessa vertente, os objetos reinam soberanos e o humano é tematizado pela ausência. O único vestígio é uma garota de olhos vidrados, reverberada pela luz artificial do videogame, quase pós-humana. Nada a ver, portanto, com a glorificação dos objetos de consumo promovida pela pop art.
Se na série sobre a sociedade multicultural informatizada prevalece o drama estático da esfera íntima, em Ruídos Contemporâneos, Hermusche mergulha, vertiginosamente, na ação em espaço público. Ele é um brasiliense multinacional e escolheu Brasília como cenário para encenar o drama do mundo submetido à espetacularização das grandes corporações, conspirações políticas, às investidas de terrorismo e aos bombardeios das marcas publicitárias.
As grandes corporações destruíram a soberania das nações, da cidadania e dos direitos humanos. Elas compram parlamentares, mandatos, juízes e leis. No desenho intitulado Circo, a Esplanada dos Ministérios é transmutada em Esplanada das Corporações, sob o arsenal de marcas luminosas, que incide sobre uma figura incandescente informe como se fosse uma bola de fogo no meio da avenida.
Tudo tem o ritmo nervoso, visceral e sensorial das narrativas de histórias em quadrinhos ou dos grafites. Em Cena imaginária, outra figura gira no espaço como se fosse um fantasma sugado pelo vórtice das logomarcas. As grandes questões recalcadas são revividas em alta voltagem dramática. Hermusche sempre infiltra um sinal da destruição da natureza nas ficções encenadas no espaço urbano. As peles de animais reaparecem nos casacos das madames.
Os índios despontam armados não de flechas, mas de fuzis. No entanto, um dos momentos mais memoráveis da mostra é o desenho em que uma turba macabra de personagens engravatados, armada de motosserras, desfila pela Esplanada dos Ministérios, com as máquinas ligadas, soltando chispas elétricas. Não poderia haver síntese mais contundente do poder das corporações no espaço público. À violência das corporações, Hermusche responde com o vigor da violência crítica e poética.
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