Conversa com Clarice 2

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Crédito: Edusp/Reprodução. Clarice Lispector, imagem do livro Clarice: Uma vida que se conta, de Nádia Battella Gotlib.

Severino Francisco

Na passagem dos 100 anos de Clarice Lispector, esta coluna conseguiu nova entrevista mediúnica com a autora de A paixão segundo G.H. Fala, Clarice!

Clarice, como você se definiria?

Sou uma tímida audaz. Tudo que consegui na vida foi à custa de ousadias, embora pequenas.

Escrever é destino?

Escrever é também abençoar uma vida que não foi abençoada. Escolhi escrever talvez porque para as outras vocações eu precisasse um longo aprendizado, enquanto que para escrever o aprendizado é a própria vida se vivendo em nós e ao redor de nós.

Qual o lugar do amor em sua vida?

Amar os outros é a única salvação individual que conheço: ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca. Amar não acaba.

A vida te tratou bem?

Oh! Deus, eu já fui muito ferida. Mas a quanta gente tenho de agradecer. Tenho recebido olhares que valem por uma reza.

O que mais a inquieta?

Ah, como me inquieta não conseguir viver o melhor, e assim poder enfim morrer o melhor.

Você passou a imagem de ser uma mulher enigmática…

Eu só sei ser íntima em todas as circunstâncias da minha vida. Por isso, sou tão calada.

Como foi o seu encontro com a esfinge no Egito?

Olhei, não a decifrei, mas, também, ela não me decifrou.

Ao mesmo tempo, você dedicou importância a atos considerados frívolos, tais como o de perfumar-se…

Eu me perfumo para intensificar o que sou. Por isso, não posso usar perfumes que me contrariem. Perfumar-se é uma sabedoria instintiva.

Você nasceu na Ucrânia, mas veio para o Brasil quando tinha poucos meses de vida. Afinal, você se considera russa ou brasileira?

Evidentemente, sou uma brasileira. E não admito que se pense o contrário. Fiz da língua portuguesa a minha vida interior, o pensamento mais íntimo, usei-a para palavras de amor.

Por que sabemos tão pouco de Deus?

Se só sabemos muito pouco de Deus, é porque precisamos pouco: só temos Dele o que fatalmente nos basta. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha.

Você passou, rapidamente, por Brasília. O que foi Brasília em sua vida?

Brasília é o inferno paradisíaco. A luz de Brasília fere meu pudor feminino.

Você se tornou famosa e até cultivada nas redes sociais. É bom ser tão famosa?

Tantos querem a projeção. Sem saber como esta limita a vida. O anonimato é suave como um sonho. Eu estou precisando desse sonho.

Severino

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