Maria Lúcia Verdi
Visito a mostra Entre nós – a figura humana no acervo do Masp, no CCBB. Observo as pessoas interagindo com as pinturas executadas por grandes mestres e me recordo de um texto de quinze anos atrás, onde reflito sobre a estética contemporânea e que chamei de O empirismo do mundo. Nele, falo de um mundo artístico “identificável”, e cito Matisse, Cézanne, Balthuss e Vermeer, que não estão na mostra do CCBB, mas que sintonizam com as obras expostas – corpos, mundos identificáveis, mesmo que alterados, histórias que se imaginam ou que são diretamente expostas.
Naquele texto, tratava do cansaço com um tempo onde todos, num ambiente artístico, pareciam compreender tudo em torno e afirmava que não era apenas questão de compreensão. Agora, ao mesmo tempo em que me pergunto se não será exatamente apenas questão de compreensão, me digo que talvez se trate de um conceito antigo. Será que até conceitos como verdade e compreensão também estão entre os não identificáveis do século 21?
O que observei nas reações das pessoas olhando a mostra era o prazer que surge da identificação, do reconhecimento das cenas mostradas nas pinturas (e nas fotografias), além da beleza em si. Conceitos gregos como beleza, harmonia, verdade ecoavam nos prazerosos comentários.
Terminava o texto citado com a narradora do micro relato dizendo que “Concluiu ser necessário ter estado, ter passado por todos os lugares, todas as circunstâncias, além mesmo da inteligência e da transcrição da experiência. Tratava-se do compromisso com o empirismo do mundo.” Me referia, ironicamente, a um cansativo compromisso com o social – o empirismo do mundo – com o que, hoje, equivale a estar sempre presente nas redes sociais, participando de todas as circunstâncias das vidas alheias.
Desenho de Flávio Carvalho
Mas também me referia a um som que escutara fora do espaço da mostra, que há quinze anos me sugerira o texto – uma exposição de hiper-realistas ingleses (de que me foge o nome hoje), onde se viam animais cortados ao meio e conservados em formol, crianças com pênis na boca. O som que escutara era de ambulâncias, poderia até dizer de desesperadas ambulâncias tentando vencer o trânsito e chegar a algum lugar. O som de ambulâncias é sempre desesperado, alguém dentro ou alguém fora está por um fio. Um fio mais concreto e iminente do que o cotidiano fio que lutamos por ignorar.
E no texto escrevia: “O som de ambulâncias, sirenes lá fora, e a possibilidade de mais um atentado.” Havia ocorrido há pouco um dos tantos atentados. Hoje me ocorre um cético pensamento: talvez fazer o percurso até os museus, os cinemas, de olhos vendados, retirando a venda apenas quando já sentados ou em pé dentro do espaço protegido. Seja o mundo do “entre nós”, que dá título à mostra, que o mundo em que tudo está (ou parece estar) fora de nós, são aspectos de uma mesma coisa, aquela “das ding” aterradora de que fala a psicanálise.
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