Cinemateca de Brasília 2

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Brasília é uma cidade inventada por artistas ou por políticos com alma de artista. Segundo Niemeyer, ele promoveu a integração da arquitetura com as artes porque queria que, quando os políticos tomassem as grandes decisões do país, sempre pensassem na cultura. Era uma visão generosa, mas talvez um pouco ingênua.

O Rio de Janeiro se beneficiou da mudança da corte de Dom João VI para o Brasil em 1808, pois o rei criou todo um aparato de instituições culturais. E Brasília se prejudicou com regime de exceção instalado quatro anos depois de sua inauguração e também com a má vontade dos presidentes João Goulart e Jânio Quadros, que detestavam a nova capital modernista.

Com todos esses atropelos não foi possível construir e constituir instituições culturais à altura da capital. Brasília tem uma história muito rica com o cinema. Nenhuma capital do mundo foi tão documentada visualmente quanto a nossa cidade. E, reparem: com cinco anos de existência, em 1965, a cidade já tinha um curso de cinema, criado por Paulo Emílio Sales Gomes e por Nelson Pereira dos Santos, iniciativa pioneira na universidade brasileira.

Apesar do histórico e da condição de capital do país, Brasília não tem uma cinemateca. A memória da cidade agoniza. O acervo de Lucio Costa está em Portugal. E o que dizer do acervo do Cinemória, de Vladimir Carvalho, doado para a UnB e nunca apropriado pela instituição?

Estava pensando na desmemória atual de Brasília e na necessidade da criação de uma cinemateca quando me deparei com um depoimento precioso de Paulo Emílio Sales Gomes, no livro Uma situação colonial? (Cia das Letras). Sim, nos tempos em que foi professor da Universidade de Brasília, ele tocou no tema.

Sigamos o relato de Paulo Emílio depois de promover uma mostra sobre o cineasta francês René Clair: “Torna-se evidente que as tarefas de difusão de uma cinemateca poderão adquirir na nova capital um cunho, uma amplidão e um significado em profundidade, ainda inéditos no panorama brasileiro.”

Se os serviços que a Cinemateca poderá prestar a setores adultos da população de Brasília já se anunciam tão ponderáveis, tornam-se irrisórios perto do que poderá ser feito junto às crianças, argumenta Paulo Emílio. “O esquema educacional previsto para Brasília tornará possível, finalmente, a única ação realmente decisiva com a qual sonham os responsáveis pelas cinematecas: vencer o analfabetismo cinematográfico no mesmo terreno, a escola, em que o outro está sendo vencido. O bom encaminhamento do projeto de lei número 711 de 1959, a perspectiva de fundos federais para a Cinemateca, estão delineando uma fisionomia totalmente nova para o movimento de cultura cinematográfica no Brasil.”

É claro que muitas coisas aconteceram depois do artigo de Paulo Emílio. Mas a ideia de uma cinemateca da capital do país permanece plenamente atual e pertinente. Uma capital não pode ser mero cenário para um faroeste caboclo, ela precisa irradiar inteligência própria, sob pena de correr sérios riscos.

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