Severino Francisco
Durante muito tempo, concordei com a letra daquele grupo punk que escrachava Papai Noel na condição de agente imperialista do consumo, que presenteia os ricos e cospe nos pobres. Mas tudo mudou a partir do momento em que tive filhos e, mais tarde, os netos. Percebi que, apesar de todas as desigualdades sociais que se escancaram na data, as crianças adoram a festa. Como disse um colega meio filósofo, afinal, os presentes são apenas declarações de amor.
Sim, claro, há o furor para o consumismo desvairado. Mas, de outra parte, é um momento de utopia de generosidade, de felicidade e de harmonia. O recriminável é que não se estenda, cotidianamente, para o restante do ano. Com a chegada dos netos, nos últimos oito anos, me vesti e me investi de Papai Noel. E posso vos testemunhar: é um sufoco.
Compramos as roupas e os adereços em uma loja de 1,99. Eles ficam guardados em um armário ao longo de todo ano. A barba recendia a borracha velha, era preciso botar três travesseiros para simular a pança, fazia um calor infernal ali dentro do nosso personagem. A diretora de cena era muito exigente, se atinha a detalhes e exigia uma performance verossímil.
Eu sumia, misteriosamente, da festa, me escondia no quarto, dava a volta e aparecia do quintal, não importa se estivesse caindo um temporal. Quando eu passava de relance pelo quintal, os meus dois netos, Aurora e Judá, ficavam com o rosto grudado na porta de vidro e emitiam intrépidos grunhidos de felicidade. O esforço valia a pena. É uma alegria impagável.
Aurora é fantasiosa e acreditou em Papai Noel até os oito anos. No entanto, Judá, de 6, é muito emotivo. Tudo para ele se resume na questão: você me ama ou você não me ama. No entanto, ao mesmo tempo, a cabeça dele funciona muito dentro da lógica. Ele começou a questionar: mas como é que o Papai Noel chega se a nossa casa não tem chaminé?
A partir do episódio, decidimos que eu não mais vestiria a roupa de Papai Noel para a aparição no quintal. Contratamos um funcionário do condomínio para desempenhar o ofício. Ele é flamenguista doente, como recompensa comprei dois ingressos para que assistisse a um Flamengo e Palmeiras no Mané Garrincha.
Como sou desastrado, adquiri bilhete para a arquibancada onde ficava a Mancha Verde, tradicional torcida organizada do Palmeiras, conhecida pela truculência. Eles tomaram o maior susto da vida, mas um policial liberou para que assistissem o jogo ao lado da torcida do Flamengo.
Mas voltemos ao Judá. Neste ano, ele escreveu uma cartinha a Papai Noel pedindo presentes. O texto começou bem: “Querido Papai Noel. Este ano, eu quero ganhar um hot wheels.” No entanto, o final poderia ser mais diplomático: ” Mas se não ganhar, eu vou ficar muito bravo, viu?” Eu acho que Papai Noel sentiu a pressão. Um feliz Natal para todos, com muita paz, harmonia, gentileza, afeto e celebração da vida!