Carta aos deputados

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Severino Francisco

Prezadas excelências, em 9 de março, o cantor Caetano Veloso liderou um movimento de artistas, organizações civis e de cidadãos, com um grande show em frente ao Congresso Nacional, para questionar o chamado pacote da destruição ambiental. O combo incluía a liberação do uso de mais veneno na comida que comemos, a anistia para a grilagem de terras, a legalização da mineração e da agropecuária em terras indígenas, a extinção do licenciamento ambiental e a flexibilização das leis de fiscalização.

Segundo avaliação da PM, havia cerca de 50 mil manifestantes, a maioria formada por jovens. Em vez de ouvir o que eles tinham a dizer, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lyra, o líder da vanguarda do atraso, pediu que as propostas fossem tocadas em ritmo de urgência.

Para mim, esse é um gesto simbólico do vosso isolamento, do vosso descompasso e do vosso descaso com o restante do Brasil. As decisões dos senhores constituem uma desinteligência pela qual todos pagarão. Claro que o primeiro perdedor será o agronegócio, prejudicado pela instabilidade no ciclo das chuvas e pelas dificuldades no escoamento da produção decorrentes de retaliações do mercado internacional à barbárie ambiental.

Nós já estamos sofrendo as consequências devastadoras do aquecimento climático. A natureza está mandando sinais. As inundações, durante o período das chuvas, são cada vez mais apocalípticas e parecidas com as cenas de guerra. É esse o futuro que os senhores pretendem legar para seus filhos, para os seus netos e para os outros brasileiros que vossas excelências representam?

Excelências, não sei se vossas senhorias tiveram tempo de ler a última pesquisa Data Folha. Segundo a sondagem, 63% considera que a posse de armas deve ser proibida, pois representa ameaça à vida. Sete a cada 10 pessoas repudia a tese de que a posse de armas traz mais segurança.

Setenta e seis por cento acham que boa parte da pobreza está ligada à falta de oportunidades iguais para que todos possam subir na vida. Setenta e nove por centro acham que a homossexualidade deve ser aceita por toda a sociedade

Cinquenta e seis por cento consideram que as leis trabalhistas no Brasil mais protegem os trabalhadores do que atrapalham o crescimento das empresas, por isso boa parte delas deveria ter o benefício ampliado. Setenta e três por cento confia nas urnas eletrônicas. E mais: pesquisa de novembro de 2020 mostra que 87% dos entrevistados consideravam imprescindível preservar a Amazônia.

Não quero faltar com a elegância, mas não encontro  palavras mais amenas para dizer que é vergonhosa a covardia dos senhores em não defender a democracia pela qual juraram ao assumir o mandato popular.  E, ao se omitirem, são responsáveis por todas as crises que assolam o país. Enquanto os senhores se refestelam nas verbas milionárias do orçamento secreto, mais de 33 milhões de brasileiros padecem de fome extrema.

Encerrados na bolha do orçamento secreto, vossas excelências se consideram os donos do Brasil, imunes ao Ministério Público, ao STF, à Polícia Federal e às leis. Aliás, os senhores têm se esmerado em legislar em causa própria para se tornarem invulneráveis e inimputáveis. Mas existe algo a que os senhores não são intangíveis: o voto popular.

Os senhores confiam na ignorância do povo. Mas já imaginaram se essas tendências detectadas na pesquisa se transformassem em escolha nas urnas? E se os eleitores passarem a acionar a tecla do google para saber se o voto dos senhores coincide com o interesse deles? Com a internet, as mudanças e as ondas costumam ser vertiginosas.

Os senhores estão legislando de costas para os grandes problemas do Brasil e para a vontade da maioria dos brasileiros. As pesquisas estão mostrando que talvez não seja possível contar tanto com a ignorância do povo. Fiquem atentos, pois a história e os deuses sempre jogam seus dados.

Severino

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