Cajuína em Teresina

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

 

Quem quiser fazer um treinamento para o aquecimento global, não pode deixar de ir a Teresina, de outubro a janeiro. A temperatura oscila entre 39 e 40 graus. Pois bem, estive em Teresina no início desta semana, com Dea Barbosa, para lançarmos o livro Clodo, Climério e Clésio – A profissão do sonho na Balada Literária de Teresina. A temperatura não impediu uma estada muito agradável.

A senha para abrir as portas da cidade é Climério Ferreira. Ao invocar esse nome, meia-dúzia de amigos diligentes se mobilizam e viabilizam qualquer projeto. E, assim, aconteceu conosco. Logo que chegamos, fomos recebidos de braços abertos, com os cuidados e com o afeto sereno, mas firme, dos amigos de Climério no Piauí: Wellington Soares, Soraia Guimarães, Viriato Campelo, Zózimo Tavares, Mary Célia e Lucíola Moura .

Wellington é o articulado, elegante e gentil organizador da Balada literária, na qual lançamos A profissão do sonho. Ele foi a Salvador com a esposa Lucíola e resolveu esticar até Santo Amaro da Purificação, a terra de Caetano Veloso e Maria Bethânia. Lá, eles pretendiam entregar, pessoalmente, a Caetano, uma caixa da deliciosa cajuína de Teresina, cantada e versada lindamente pelo menestrel baiano em composição sobre Torquato Neto. É de chorar as lágrimas de esguicho de que falava Nelson Rodrigues.

Caetano não estava, mas encontraram Niro, um funcionário simpático, que prometeu repassar a encomenda. Wellington deu meia volta cabreiro, duvidando da palavra do rapaz, pois sabia Caetano Veloso é tietado e assediado por todos os lados. Wellington voltou para Teresina, esqueceu o caso e entregou a Deus.

No entanto, logo  recebeu uma mensagem de Niro. Ele contou que havia ligado, pois Caetano queria agradecer a gentileza do presente das cajuínas, mas Wellington não havia atendido. E, para comprovar a veracidade dos fatos, enviou fotos com Caetano fazendo brinde com a garrafa na mão. Wellington disse que nunca, jamais, vai se perdoar por não ter atendido a chamada pelo celular.

Depois de ler essa história no livro de crônicas Não leia, pai, de Wellington, eu resolvi comprar umas cajuínas para presentear ao Climério quando chegasse a Brasília. Mas, antes, perguntei ao Viriato, se Climério gostava de cajuína: “Climério é um piauiense movido a cajuína”, me respondeu o amigo. Fui até o mercado municipal e pedi 10 cajuínas. O dono do quiosque era um piauiense esguio, sereno e silencioso. Recomendei que preparasse uma embalagem reforçada, pois a carga seguiria de avião até Brasília.

Na semana anterior, eu havia assistido a uma montagem do Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, na qual o meu cunhado, Jurandir Ribeiro, brilhou no papel de João Grilo e, imbuído do personagem picaresco, sugeri ao dono do quiosque, enquanto ele cortava pedaços de papelão para acondicionar as garrafas com esmero: “Olha, se o senhor me presentear com uma de brinde, o pacote vai ficar mais arrochado e não quebra nenhuma”. Ele sorriu levemente, não disse nada, pegou mais uma garrafa de cajuína e colocou na caixa.

A balada mistura literatura e música de uma maneira muito pertinente. Fabiana Cozza nos brindou com uma festa do samba, convidando para a dança e a comunhão. Mais do que vender livros, voltamos carregados de presentes, de afeto e de gentilezas. Como bem diz Climério no poema Os do Piauí: “O querer piauiense às vezes é seco/a fala é lenta, arrastada, preguiçosa/e a frase, quando dita, é amorosa/a mansidão por um nada vira guerra/as amizades são verdadeiros pactos/a paixão maior deles é pela terra/essas almas têm espinhos feito cactos”. Uma amiga de Climério, que nos acolheu em Teresina, mandou uma mensagem para Deia: “Sintam-se abraçados”. Sim, nós nos sentimos abraçados.

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