Brinde ao Buda!

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

O ilustre colega Rubem Braga escreveu uma célebre crônica na qual desfechava uma crítica sutil aos jornais porque, segundo ele,  privilegiavam, demasiadamente, as notícias trágicas ou negativas em detrimento das alegres ou positivas. E, para comprovar o deslize, simulou uma situação em que um repórter redigisse a notícia do acontecimento trivial de três conhecidos que se encontrassem em um bar e discutissem, cada um reivindicando para si o privilégio de pagar a conta.

Quando trouxe o troco, o garçom recebeu uma boa gorjeta e ficou contentíssimo. Os três amigos saíram do bar alegremente, cantarolando sambas. Reinava a maior paz no subúrbio Encantado, e a noite bastante fresca, “tendo dona Maria, sogra do comerciante Adalberto Ferreira, residente à rua Benedito, 14, senhora sempre muito friorenta, chegado a puxar o cobertor, tendo depois sonhado que seu netinho lhe oferecia um pedaço de goiabada.”

Braga conclui que se um repórter redigisse uma nota com esse teor seria chamado de louco. De minha parte, vesti a carapuça inteiramente quando lembrei de recente teia de episódios. É que em julho fomos atingidos por uma notícia dramática: a morte do compositor Clodo Ferreira. Além de artista talentoso, era um ser humano da melhor qualidade e sua partida provocou comoção e suscitou justas homenagens.

No entanto, algumas semanas depois, o irmão, o poeta Climério Ferreira, postou, nas redes sociais, um comunicado discreto e alentador, que passou despercebido: “Eu me curei do câncer”. Eu e muitas outras pessoas ficamos, verdadeiramente, felizes. Foi a vitória da tenacidade sobre uma doença terrível. Climério enfrentou a tudo com uma coragem serena e comovente, que poucos têm em uma situação como essa.

Ele é um piauiense zen, pratica, cotidianamente e poeticamente, a filosofia do menos é mais. E, por isso, foi chamado, pelo poeta Cinésio Santos, de Buda do Piauí. O ilustre vate cometeu o que se chama em boa linguagem jurídica de plágio retroativo. Ou seja: sabedor de que, 20 anos depois, eu apelidaria Climério de Buda candango, Cinésio se antecipou e o batizou de Buda do Piauí.

Mas aqui no DF vai valer o Buda candango. Climério pode ter nascido no Piauí, mas renasceu em Brasília. Não é preciso ter nascido em Brasília para ser brasiliense. Peço licença para lembrar novamente algumas histórias que ilustram a sabedoria do nosso Buda candango.

Em entrevista concedida à revista piauiense Revestrés, ao ser perguntado sobre o que era fazer sucesso, Climério responde: “Para algumas pessoas sucesso é o que toca no rádio, na TV. Para mim, sucesso quer dizer o que vem depois, o que sucede, então meu sucesso é fazer muita coisa continuamente. Nesse sentido, eu sou um sucesso: tenho várias canções gravadas e não paro de fazer coisas novas. Eu escrevo um poema todo dia”.

Na já citada entrevista, a certa altura, Climério é perguntado se se considerava uma pessoa feliz e responde que, sim, mesmo sob o risco de parecer pretensioso. Todavia, logo em seguida, ele explica as precauções que tomou e me parecem medidas de extrema sabedoria de vida. Enxugou os desejos e eles ficaram do tamanho que queria. Gosta do que faz, fica feliz quando lança um livro ou quando alguém grava uma canção sua.

Reconhece que há algo de vaidade nisso, mas essa autocontenção, realismo e atenção aos aos talentos e aos limites o torna uma pessoa feliz, como registrou em versos, com fino senso de humor, o nosso piauiense zen, piauiense da Asa Norte, Buda candango. É para fazer um adesivo e colar na geladeira, afixar no vidro do carro e viralizar nas redes sociais: “Eu quero tudo o que tenho,/ só desejo o que posso,/E sou da minha idade,/será isso a tal felicidade?” Vamos beber um vinho real ou imaginário para celebrar a saúde do nosso Buda candango!

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