Severino Francisco
Em meio a tantas notícias ruins e a tantas imagens estarrecedoras produzidas pela guerra na Ucrânia, foi um alento ver o gramado da Esplanada dos Ministérios das imediações do Congresso Nacional tomado de brasileiros para protestar contra o pacote da destruição que os representantes do povo querem impor ao país.
Não pude ir, mas acompanhei para televisão o que foi transmitido. Pelo que vi, havia muita gente na imensidão da Esplanada, espaço projetado por Lucio Costa para a manifestação do homem cívico, do homem coletivo.
Independentemente das consequências mais imediatas, o movimento Ato da Terra em frente ao Congresso Nacional é fato marcante da história recente do país. Não é pouca coisa que Caetano Veloso, o mais importante artista brasileiro vivo, lidere uma mobilização contra o vandalismo ambiental no Brasil. Ele cumpriu a sina que, sem saber, traçou para si mesmo na canção-manifesto Tropicália: “Eu organizo o movimento/Eu oriento o carnaval/Eu inauguro o monumento no Planalto Central do país.”
A questão ambiental brasileira é tão crucial e tão abrangente, no sentido global, quanto a guerra da Ucrânia. A Rússia invade a Ucrânia; o governo brasileiro quer invadir as reservas indígenas. Com todo respeito aos meus colegas, que defenderam, bravamente, a ciência contra os ataques negacionistas, durante a pandemia, a imprensa está fazendo uma cobertura burocrática de um tema estratégico para o presente e para o futuro do país e do planeta.
Com as atenções voltadas para a guerra da Rússia contra a Ucrânia, suas excelências, lideradas por Artur Lira, tentam impor ao país uma agenda da insanidade ambiental. É um pacote da destruição, que inclui a liberação do uso de mais veneno na comida que comemos, a anistia para a grilagem de terras, a legalização da mineração e da agropecuária em terras indígenas, a extinção do licenciamento ambiental e a flexibilização de outras leis de fiscalização. Parece que pretendem legalizar o crime e torná-lo inimputável.
O pior é que eles ainda querem embalar essa ameaça à sustentabilidade com os rótulos cínicos de “modernização” e de “prosperidade”. Nada mais atrasado. Legislam em causa própria com uma total irresponsabilidade em relação a seus deveres de representantes do povo. Propõem uma política de terra arrasada quando o futuro muito próximo será verde, se não for destruído pela guerra atômica. Não compreendem que os índios não são estorvos, eles protegem as florestas, que garantem o ciclo das chuvas para o agronegócio e o equilíbrio do clima para quem mora nas cidades.
A gente precisa saber distinguir o que é um influencer e um jornalista, o que é notícia e o que é fake news, o que é realidade e o que realidade paralela, o que é importante e o que é supérfluo. Talvez a imprensa pudesse ajudar a propor uma agenda mais relevante. A questão ambiental tem menos espaço do que a cobertura sobre o Big Brother.
O movimento que Caetano ensaiou em frente ao Congresso é fundamental para a nossa sobrevivência. Conversei com os repórteres do Correio que estiveram lá. Eles disseram que a maioria do público era formada por jovens de 17 e 18 anos. Isso é muito bom. Caetano compôs Não vou deixar contra o projeto de destruição do país em curso.
Mas esse movimento precisa se ampliar e se transformar em Não vamos deixar. Precisa estar nas manchetes dos telejornais, ser tema do BBB, ser anunciado pela XP, ser encampado pelo agronegócio e ser defendido pelos militares.
E, às excelências, autoras do pacote da destruição ambiental, dedico os versos que meu pai, um pernambucano quixotesco, escreveu na década de 1950, quando era estudante, indignado com a destruição da Amazônia: “ SOS para quem?/onde está a consciência?/onde andam os governantes/o que é feito da presidência?/A fauna, a flora, o clima/ninguém olha com clemência/é o maior atentado/do homem sem coração/quem comete tal delito/terá um nome maldito/pela próxima geração.”
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