As músicas de Vladimir

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Recebi um precioso presente, que vou dividir com vocês no papel impresso: o link do programa Memória Musical, da Rádio Nacional (que integra a EBC) com o nosso amigo Vladimir Carvalho, que nos deixou há duas semanas. É isso mesmo. O programa foi gravado em 7 de março de 2013 por Márcio Lacombe. Os que tinham uma imagem dogmática de Vladimir se surpreenderão. A sua voz, agora, parece vir de outro mundo, para evocar as músicas marcantes de sua vida.

A primeira é Cheek to cheek, com Louis Armstrong e Ella Fitzgerald. É uma canção que vem envolvida pelas reminiscências da infância e da adolescência. Ouçamos a voz de Vladimir: “Enquanto cuidava dos afazeres domésticos minha mãe cantava. E uma das canções era Cheek to cheek. Aflora a ternura que sinto por minha mãe Maria José, Mazé”.

A segunda música, Adágio, de Abinoni, foi um sopro de sugestão que Vladimir recebeu do irmão mais novo, Walter Carvalho. “E, para mim, foi uma coisa sublime. É ambivalente, se estou triste, ponho o Adágio. É como um frescor na alma. Se estou muito alegre, está na hora de celebrar.”

Vozes da seca, de Luiz Gonzaga, a terceira canção, está no sangue do menino nordestino. Vladimir a usou como trilha sonora do filme O homem de areia, sobre José Américo de Almeida, escritor e governador da Paraíba: “Gonzagão era um gênio, mostra a seca quase como um carma do nordestino. Por sorte ou infelicidade, durante uma seca, José Américo distribuiu dinheiro. Recorri a Vozes da seca: mas, doutor dar uma esmola a um homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

A quarta música é o Hino da internacional comunista, composto em 1871, com música da Marselhesa, o hino da França. Depois, ganhou outra melodia: “É um hino, fabulosamente, integrado à luta das massas. É de uma força extraordinária. Quem foi para a rua na década de 1960, cantou. Conclama: ‘De pé, ó, vítimas da fome, famélicos da Terra'”.

Quando entrevistou Renato Russo para o filme Rock Brasília – A era de ouro, o roqueiro disse a Vladimir que Faroeste Caboclo não era nada mais do que um cordel. “São 157 versos. Encontro muita rapaziada nova que sabe de cor, fazem quase um coral acompanhando. Como nordestino, me deixa comovido” .

A primeira vez que Vladimir conheceu a sexta música escolhida, Rock around the clock, com Bill Halley e seus Cometas, foi em uma sessão matinal do Cine Rex, no centro de João Pessoa. Todos caíram na dança seduzidos pelo ritmo irresistível: “Quebraram tudo, o dono teve de reformar o cinema.”

“Quem é esse que conhece Alagoas e Gerais/De quem é essa ira santa?”, indaga a letra de Fernando Brandt, na canção O menestrel de Alagoas, outra preferida de Vladimir, cantada por Fafá de Belém, no filme O evangelho segundo Teotônio: “Quando Teotônio (Vilela) morreu, me meti em um avião com a equipe a Maceió e me encontrei com Fafá de Belém no avião. Pedi que ela cantasse ali para eu filmar, mas a empresária não deixou. No entanto, Fafá soltou a garganta em um comício enorme com Mário Covas. É essa música que carrega o filme sobre Teotônio”.

Quando ouvia o Coro dos escravos, do Coral Nabuco, sempre visualizava os escravizados carregando pedras no martírio cotidiano. Estava na sala de montagem do filme Conterrâneos velhos de guerra, com as imagens dos buracos e voçorocas da Ceilândia dos tempos iniciais, para onde foram levados os candangos que construíram Brasília: “Ergueram os barracos frágeis, levavam as crianças, pareciam sobejos da seca. Lembrei do Coro dos escravos e se encaixou que é uma beleza.”

E a Memória Musical se encerrou em alto astral, com o Hino do Flamengo, de Lamartine Babo. “Sei que posso contrariar minorias, mas o meu Flamengo tem uma das maiores torcidas do mundo. Fechou nossa conversa com chave de ouro.”

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